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quinta-feira, 29 de maio de 2008

LISTAS DE ESPERA

Está na hora de falar do António Luís dos Santos Ferrão, também conhecido por Tó Ferrão, Ferrão ou simplesmente Tó. O nome vai encolhendo à medida que a intimidade aumenta. Não deixa de ser estranho esta relação entre encolhimento e intimidade. Aprendi na minha vida, com algum esforço, que estas coisas jogam ao contrário. Quanto mais íntimo maior ... e melhor. Acresce que para mim Tó sempre me lembrou palavras cruzadas: animal com duas letras. Hoje a malta nova não liga nada às palavras cruzadas. Dedicam-se ao Sudoku. Diz que desenvolve a mente, como os flocos de cereais ou os iogurtes com pedaços. Enfim, teorias. Mas eu penso sobretudo nos efeitos colaterais destas actividades cognitivas, dadas as ressonâncias casapianas do nome. Adiante.

Regressemos ao Tó Ferrão quando ele era o nosso trabalhador-estudante. Onde (quando e se) estudava, não sei. Mas sei que trabalhava no velhinho hospital universitário, vulgo HUCs. O Tó Luís (mais uma variante para o nome, que cai bem com o meu grau de intimidade(s)) sempre foi uma pessoa amiga do próximo, curiosa e inventiva. Daí que passeasse com frequência pelos corredores do hospital à procura de uma alma a precisar de ajuda. O que num hospital, convenhamos, não é difícil! O seu local preferido eram as consultas externas. Aí, um dia, encontrou um idoso (como nós) a quem perguntou do que estava à espera. Perante a informação de que aguardava por ser chamado para uma radiografia à cabeça o Ferrão diz-lhe simplesmente: “Então, homem, porque espera??? Venha daí comigo”. E o homem seguiu confiante o Tó Ferrão, enquanto ia repetindo ad nauseum (esta é uma indirecta para o Felício) “Obrigado Sr. doutor!”. O TF leva o sujeito para dentro de uma sala, manda-o tirar a roupa (sempre era uma radiografia à cabeça!) e entrar para dentro de um armário. Isso mesmo: um a-r-m-á-r-i-o! O homem no meio de tanta amabilidade não pensou duas vezes (se é que podia dada a natureza da radiografia) e nem protestou: entrou. Todos sabemos que os médicos, ao contrários daquelas senhoras que exercem a mais antiga profissão do mundo, são intocáveis e quando gemem não é a fingir. Logo não se pode duvidar do que dizem ou mandam fazer. O TF fecha a porta do dito armário, espera um pouco (nestas coisas convém dar um ar de solenidade à devassa do corpo alheio) e depois diz a killing sentence que todos conhecemos, porque já passámos por elas: “Encha o peito de ar. Não respire!”. Dá um murro no armário e grita: “pode sair”. “É tudo Senhor Doutor??” atreveu-se a questionar o nosso paciente. “Porquê?” diz o Ferrão num tom que não admite réplica. E pronto.

A coisa complicou-se quando o evento foi conhecido pelas altas instâncias hospitalares. Mas o Tó lá se safou (como sempre aliás). Afinal o pai mandava naquilo! Mas eu acho que houve muita ingratidão por parte da direcção hospitalar. Afinal o Tó Luís tinha descoberto a solução para as listas de espera! E a custo zero...

Ernesto Costa (ako Jó-Jó)

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8 Comentários:

Blogger Jotta Leitao disse...

Brilhante narrativa!
Mas esta, é só uma das imensas "partidas" do "Dr Ferrão", naqueles antigos HUC´s...

E pra variar...
Viva a Académica!!!

José Leitão

12:48 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

Olha o grande Zé Leitão!
Não me faças falar companheiro.
Tivemos muitos e bons momentos juntos.

PS - A radiografia não acusou nada, eu é que tive a infelicidade de meter dentro do armário, um familiar de um distinto funcionário dos HUC.

Valeu-me a "palheta", e o facto de não ter "cobrado" honorários ao doente.

Saudações académicas

Tó Ferrão

1:07 da manhã  
Blogger Rui Pato disse...

Cuidado, porque se entramos nas memórias dos feitos heróicos do Tó Ferrão, seremos obrigados a abrir um blog só para isso e, então aparecerão, histórias surrealistas desde os tempos da escola, passando pelo liceu, pela Académica e por toda a sua vida profissional em que ele se destacou como o mais competente e amigo Delegado de Informação Médica, deixando histórias por todo o Portugal onde houver um Médico com mais de 50 anos.

9:26 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

Rui

O que me irrita é não darem mérito, a quem foi em Portugal, pioneiro numa técnica radiológica, que não causava efeitos colaterais ou adversos aos doentes.

Se eu tivesse registado a patente, estaria hoje muito mais rico do que o Prof. Bambo, que curou um "mal de amor" à minha Tia Engrácia, mas também lhe "curou" a carteira.

Não posso com ingratidões!

Viva a Briosa

Tó Ferrão

12:22 da tarde  
Blogger Rui Felicio disse...

Jo-Jo,

Parabéns miúdo...

Já sei de há uns anos que és um craque, com uma inteligência acima do comum.

A juntar a isso, surgem-me agora os teus dotes de escriba que esta prosa bem demonstra.

Porém, hás de me explicar porque é que esse AD NAUSEUM é uma indirecta a mim mesmo.

Será por causa da minha mania do latinório, ou isso é mais grave e queres dizer que a minha provecta idade já provoca nauseas?

Rui Felicio

12:26 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Felício,

A latinada é mesmo uma referência ao direito. De ti guardo a imagem de um gajo magro, elegante, de capa e batina e com um sorriso muito particular. Dizem que ELAS adoravam. Sem o saberes foste um exemplo para mim (como o Zeca Ferrão, o Elói e alguns outros).

Mantém a prosa!

Jó-Jó

6:41 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Tó Ferrão:

Saudações,

Relata a tua odisseia, nos três meses, passados nas Caldas da Rainha!...
Um hino à irreverência!
Bem hajas.

Um frequentador do "cavalo selvagem" - 1956 e seguintes...Grandes jogatanas.

7:29 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Eu sei de algumas...contadas por um familiar...que esteve nas Caldas com o Tó Ferrão, mas nada como o próprio para contar "os 3 meses das Caldas"!!!
Tipo "a minha ida à tropa!!!"

Grande abraço companheiro"

José Leitão

9:24 da tarde  

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