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quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

PODE ACONTECER...

31 de Dezembro. Hoje sinto-me como um velho cão rafeiro, quando busca desesperadamente comida num caixote do lixo qualquer. Aquilo que os outros não querem, a ele chega-lhe
(podia usar a metáfora de um ser humano, sem abrigo, mas dói-me a alma só de pensar nisso.)
porque já nada espera. Mexe, com fúria por vezes, esperando encontrar no meio de tantos detritos algo de bom que lhe traga a salvação. Por mais um dia. Pode acontecer...
O meu caixote do lixo chama-se ... memória. Ao contrário do cão, fui eu que lá guardei o que já passou e que um dia posso querer voltar a usar, redentoramente. Sou o autor das minhas (des)ilusões, dos meus próprios dejectos. As memórias, as minhas memórias,
(alguém pode ser dono das suas memórias?)
com o tempo perdem nitidez, fogem-me do alcance, tornam-se puros fragmentos de um eu estilhaçado. Não que se tenham necessariamente extinto, talvez antes porque desaprendi de as ir reavivar regularmente, pela ordem natural que já existiu e que o tempo interior desconstruiu. Ou porque o tempo as estragou, tornando-as em restos contaminados que só me fazem mal quando me reapodero delas. Ou ainda porque deixei de as reconhecer como minhas,
(poderemos alguma vez ser donos das nossas memórias?)
ou ainda porque o meu outro as quer simplesmente esconder do outro eu.
E depois, mesmo que os poços da memória não se tenham ainda esgotado, mesmo que baste apenas um fim de tarde de um qualquer dia último do ano para me reapossar do passado, para quê recordar? Recordar é
(quantas vezes!?)
algo morrer de novo dentro de nós. Ou sofrer. E se alguém vem procurar ensinar-nos o caminho de volta das recordações
(lembras-te quando ...?)
quantas vezes não rosnamos em vez de sorrirmos? Não as queremos agora para nós mas, possessivos, também não aceitamos que no las roubem, mesmo quando a memória da memória nos insinua tratar-se apenas de deformações de um passado irreal.

Mas... Pode acontecer... que remexendo bem no fundo encontremos uma palavra aqui,
(amor)
outra acolá,
(solidão)
ou mesmo uma curta frase
(Serra do Gerês)
que remete para os sonhos realmente vividos.
Aventurando-nos na colagem de fragmentos de frases,
(Era madrugada alta quando nos conhecemos. Uma parte apenas, ainda. Timidamente, aproximamo-nos lentamente. Primeiro através do olhar, depois o cheiro, o tacto por fim. Aceitámos a loucura, reinventámos Baudelaire e voámos em direcção ao mar à procura de conhecer o todo que faltava, os sabores. Ao longe o uivo dos pinheiros forçava o entrelaçar dos corpos na noite escura, nós fingindo o medo (ou o frio?) que não tínhamos. Através do estar queríamos o ser. Mas, no entanto, ainda não era o tempo das vindimas e deixámos que a água salgada, nos consumisse o ardente desejo e os corpos não acompanhassem o ritmar crescente das ondas. Nas bocas ficou o amargo da espuma interrompida de eros. Amanhã talvez, quem sabe, a tempestade reapossar-se-á dos nossos corpos desejantes, numa erupção impossível de conter nem com toda a água do mundo, fundindo-nos num novo ser único, nós. Hoje, porém, o mar serenou(-nos)-se! )
aventurando-nos na desfragmentação do nosso interior, com sorte podemos criar sentidos. Pode acontecer...
31 de Dezembro. Amanhã é um velho dia novo, que conhecemos bem das memórias adulteradas do passado. Não procurarei nele novos começos. Com o passar inexorável do nosso tempo, enquanto esperamos que anoiteça definitivamente, já não recordamos o que vivemos. Vivemos com o que recordamos.
Recordar é correr o risco do engano. Estarei preparado para isso? Ou, é isso que quero mesmo?
Amanhã vou ver o mar...
Poderei aí então gritar, como o poeta morto no outro 11de Setembro,
(mas a quem isto interessa?)
confesso que vivi?
Vale a pena tentar!

Jó-Jó

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24 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Vale sempre a pena tentar....se não o fizermos, nunca saberemos se veleu a pena....e como se diz frequentemente, alma até almeida; não sei quem foi que o disse, mas eu não fui, de certeza...talvez a Nela Dias saiba, ou não....

10:26 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

Jó- Jó que bom estas tuas palavras, para a minha passagem de ano...Que bom reler-te de novo... Que bom estares aqui...Que bom existires...Quantas saudades!!!
Beijos "infinitos"(palavra da tua menina).
Volta com força já amanhã 2009, tá?
Juju.

10:32 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

Jó -Jó
Cumpriste o que me tinhas revelado, e cá estás de novo para satisfação minha e de todos nós.

Desejo-te um Bom 2009, com a tua familia e os teus amigos, já que o 2008, por razões diversas, não foi nada bom para nós os dois.
Um abraço

10:35 da manhã  
Blogger Rui Pato disse...

Um ano de 2009 melhor,com saúde, cheio de esperança, de amor , porque de amigos já conquistaste uma multidão deles.

10:59 da manhã  
Blogger Rui Felicio disse...

Que bom ver-te por aqui de novo "miúdo" Jó_Jó...

Entendo-te, mas espero que a partir de amanhã, primeiro dia de 2009, comeces um ciclo que nos traga os teus textos a que nos habituaste, menos pessimistas que este.

Prometido?

Um abraço meu amigo!

Rui Felício

11:01 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

Não posso deixar de saudar o regresso do Jó-Jó. A sua presença neste blog é factor de enriquecimento e de convite a momentos de introspecção.
Como sempre, gostei de ler.
Um Bom Ano, são os votos da Isabel Parreiral

11:55 da manhã  
Blogger cota13 disse...

Boa, Boa, JÓ JÓ.
Um ABRAÇO.
TONITO.
BOM ANO.

12:18 da tarde  
Blogger Manuela Curado disse...

Li-te, pausadamente... Li... não!.. Bebi as tuas palavras.
Mas quanta angústia...quanta solidão...
Ansiava o teu retorno mas preferia que tivesses voltado com a tua ironia subtil e insidiosa. Assim, fazes-me sofrer contigo.
Como te entendo...

12:29 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Estava na nossa memória a tua presença amiga e estimulante com as histórias que revelando o eu também nos transportam para o nós.

Embora à distância tenho estado contigo e é muito bom saber, que neste último dia do ano de boas e más memórias, nos deixas a tua mensagem de afirmação no futuro pela construção das memórias do amanhã.

Para ti, Jó Jó, e para a tua Família desejo sinceramente um Bom Ano de 2009.
Abílio

12:36 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Jójó deixa-te de gaitas.
Aparece em força e com saude.
Isso é que é importante e é assim que te queremos ver.
Um abração e um 2009 mais calmo.

1:20 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Olá,Jó-Jó!

Recorda,recordar é viver, amigo.

Este final de ano trouxe a tua preciosa colaboração neste nosso espaço de tertúlia.
É um bom presságio.

Muita saúde e alegrias para ti e para toooda a família.

1:23 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Caro Jó
Já pensava que tinhas perdido a veia:)))... ainda bem que voltaste ... pelo tom pareceu -me que este ano não foi dos melhores p/ ti;
assim, desejo-te o melhor 2009, para que continues a fazer-nos companhia c/ as tuas " estórias "
Grande abraço

CHICO

PS:Há dois lemas que há bastantes anos sigo,e o resultado não tem sido mau :)))

"Há mais marés que marinheiros "

"A Vida é feita de sketchs,há uns bons e outros maus"

2:26 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

esse poeta morreu a 23 de Setembro, não a 11.

2:37 da tarde  
Blogger DOM RAFAEL O CASTELÃO disse...

Também saúdo o reaparcimento do amigo Jó-Jó!
Depois deste texto outros surgirão,de certesa menos pessimistas e mais mais na linha de outros com que nos brindaste anterormente!
Um grande abraço e um 2009 com muito optimismo!

3:17 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Não foi num dia de nevoeiro, mas cinzento e chuvoso.
Mas aí está ele!
Um bom ano para ti e família.

3:49 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Aconteceu, o teu regresso em cheio!

Recordar o passado para melhor perceber o presente e vivê-lo ainda melhor!

Beijinhos.

BOM Ano

Olinda

5:41 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

JÓ-JÓ

O que tu queres sei eu. MIMO!
O mimo que tão bem sabes dar aos outros, mas que adoras receber.

Passada a "tormenta", olha para o 2009 com a convicta certeza de que tudo vai ser melhor.

Eu não irei "perdoar" o cozido à portuguesa que iremos atacar no Buzio.
E a seguir virá a lampreia e depois... bem depois, qualquer pretexto serve para nos juntarmos.

És indiscutivelmente um dos melhores entre os melhores a expressar sentimentos, emoções e comoções neste blogue.

Prozac não te recomendo. Um ansiolitico é "fraquinho" demais para ti.

Sacode o pessimismo e bebe um " Duas Quintas Reserva de 95".

Ganhas côr, ganhas vida, melhoras o humor e anestesias a alma (tu tens alma companheiro).

Feliz Ano Novo para ti e para toda a tua familia.

saudações académicas

Tó Ferrão

6:27 da tarde  
Blogger Teresa B disse...

Abençoado 31 de Dezembro, que trouxe dois jeitosos que andavam fugidos...
Voltem,Jo-Jó e Tó Ferrão, que estavam a fazer aqui muita falta!
Boa disposição e muita saúde, é o que vos(me) desejo.

6:53 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Grande JÓ-JÓ! Que saudades! E que regresso!
Como vês pelos comentários, estávamos todos à tua espera.
Assim já podemos passar o fim de ano descansados.
Que o 2009, venha com muita saúde!
Nós somos fortes. Cá o esperamos!
Um abraço,
Alfredo

7:25 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Que bom Jojo que tenhas voltado já tinha saudades de te ler.Aproveito para desejar para ti e familia um 2009 cheio de saúde e Amor.
Nela Ssrmento

9:06 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Meu caro JoJo!

Já cá faziam falta os teus belos textos!

Todos os comentários aqui expressos falam por mim!
Tó Ferrão permite-me assinar por baixo o teu:
"És indiscutivelmente um dos melhores entre os melhores a expressar sentimentos, emoções e comoções neste blogue.

BOM 2009

Grande abraço e muita saúde, meu caro!

José Leitão

11:29 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Jó-Jó
Ainda bem que estás de volta ! repara que de uma maneira ou de outra, todos dizemos isso, o que quer dizer que nos fazes falta ....
e isso é das melhores coisas do mundo (darem pela nossa falta !) quer dizer que temos quem nos queira bem...e tu, já viste quantos te querem bem? devorei o teu texto, mas também quero mais, com mais Alegria e Optimismo, pode ser? temos todos saudades de te ler.

Um beijo da olga viana

3:41 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Que maravilha Jó-Jó,saber que está de volta!
Já tinha saudade da sua excelente escrita.
Wallace Stevens escreveu:
O impossível homem possível do filósofo,
O homem que teve tempo para pensar o suficiente,
O homen central, o globo humano,que reflecte
Como um espelho com uma voz,o homem de vidro,
Que num milhão de diamantes nos sintetisa.
E o escritor continua dizendo que há pessoas que são um "espelho com voz".
Continue a alimentar a sua alma de escritor e desejo que a vida o encante,para enfeitiçado, ser menos pessimista.
Um Bom Ano para si e família.
Nela Dias

11:53 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Jó-Jó
Tinha dado pela falta dos teus textos.
Acabei de fazer um comentário num texto do Felicio em que falo disso. Sou preguiçoso mas falo verdade.
Um abraço. Esperamos mais!

2:18 da manhã  

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