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sábado, 31 de janeiro de 2009

SARA E O MAGO

Toda a gente ocupa um lugar, e por isso estamos sempre a pensar em latitudes, longitudes, a recorrer a essas cousas chamadas GPS, menos Deus que ocupa todos os lugares, o que não deixa de ser uma contradição, se pensarmos bem, pois ocupar um lugar define-se por oposição e contraste com não ocupar outros lugares, mas isso é um problema de Deus e não nosso, mas se estivermos no ar temos que acrescentar a altitude, e aí concedo que Deus está num lugar privilegiado. Ocupamos pois sempre um lugar, e por isso não se estranha que a pequena Sara esteja deitada em cima da cama, de barriga para baixo, a olhar para um jornal com o seu inseparável cão Bóbi, de pano construído, todo verde, se descontarmos a cauda, o interior das orelhas e a base das patas, que são laranja, que lhe faz permanente companhia desde que os pais desapareceram e passou a viver com os avós, numa imensa casa de vários andares. Reparaste Bóbi no que está aqui escrito, Claro que sim, E então? Então o quê? Não gostavas de ir? Sim, mas como? Talvez o avô... Sara e se fôssemos ao espectáculo de Magia? Uau!, Rauff,rauff, Mas primeiro tens que arrumar o quarto que está um caos, Mas é uma cidade! Não vês ali a biblioteca? Vejo livros pelo chão abertos, E ali um Hospital? Vejo um cão com um pano na cabeça dentro de uma casa feita com legos, E o hotel, o hotel ali? A casa de brincar que te dei?? Uma Escola...? Peluches amontoados em cima de lápis de cor e folhas com riscos, Está beeeem...! Toda a gente ocupa o seu lugar, ouvem-se vozes e de repente um som, que provoca o apagar lento das luzes, as vozes transformam-se em tosse, o silêncio agora, e uma cortina púrpura que se vai ondulantemente abrindo, deixando antever um espaço imenso, onde de repente aparece no centro um cone de luz amarela, violenta, que envolve num abraço um homem todo vestido de preto, com um chapéu alto no cimo da cabeça. Depois a magia, e como diz o povo só não vê quem é cego ou antes não há pior cego do que aquele que não quer ver, É tudo mentira, Como assim Bóbi? a rapariga que desapareceu não desapareceu? Claro, Como os meus pais? Isso não sei,é diferente, É diferente como?? Preciso ver para crer, e eu não vi os teus pais desaparecerem, E o corpo cerrado ao meio, os infinitos lenços coloridos que lhe saem do bolso de cima, o jornal cortado aos bocados que logo volta a ser jornal, ou a corda ora com nós ora sem eles, não aconteceu mesmo? Chiu, isto é para ver, Rauff, rauff. E assim como começou depressa acabou, pois como diz o povo o que é bom depressa acaba, agora palmas em vez de tosse, primeiro desencontradas, logo de seguida sincronizadas, de novo as luzes, que saem do escuro, as falas, os risos, o abandono. Sara, queres conhecer o mágico? Posso? sim, sim!! Eu também quero, Claro Bóbi, Olá, eu sou a Sara, este é o Bóbi e este o avô, Já volto, Eu sou o mágico, Eu sei, mas não tens nome? E isso é importante, o nome? Claro, senão como saber que és tu? Mas tu sabes que és tu, e depois não há tantas Saras no mundo? Claro que não, Bóbi, foi a mim que a pergunta foi feita, pois se calhar há, mas eu sou única para o avô, ninguém pode ocupar o meu lugar, Então chama-me Mago, Mago? só? Rauff, Sim, assim, segundo tu, já podemos conversar, sem confusões, certo? ...Hum! acho que sim, Mas porque achas que as coisas têm que ter nomes, ou antes estes nomes? se eu tiver outro nome isso altera a nossa conversa? Acho que não, E porque achas que chamamos banco a este banco? Porque é um banco, claro, Para ti sim, mas para um inglês, achas que este banco se chama banco? Bem eu não sei inglês, Mas eu falo com os cães ingleses sem problema, Não Bóbi, tu não falas, tu comunicas, Mas não é a mesma coisa? Não, não é, Então a linguagem é uma convenção? Temo bem que sim, mas não me parece assim um problema por aí além, tu gostaste do meu espectáculo? Sim, muito, E das palavras que eu disse? Mas tu não disseste nenhuma!!! Estás a ver? e isso não te impediu de compreender o que eu estava a fazer, pois não? Não, é verdade, Eu também gostei, embora ache que é tudo pura ilusão, Acham que viram o que não existe, como quando pensamos ou sonhamos? Sim, se calhar é como nos sonhos, quando eu invento histórias, Comigo também me inventas, estás sempre a conversar, como se eu existisse, Mas tu existes para mim, e isso é que conta, agora só não sei se é bem como quando penso ou sonho, pois eu preciso das palavras, mesmo nos sonhos, Tu só precisas das palavras para contares os teus sonhos, não para os sonhares, embora precises sempre de símbolos, como um compositor ou um pintor, Está bem, tens razão, a corda rebenta sempre pelo lado do mais fraco,Terei? olha que cada cabeça sua sentença, Mas, deixando estas complicações e voltando atrás, posso dizer que o que fazes não são ilusões, e tu podes voltar a reconstruir a jarra que eu parti antes que a avó veja? ou antes, podes fazer aparecer os meus pais como fizeste aparecer o coelho há pouco, claro que precisas de um chapéu maior, mas podes??? Hum! isso parece-me mais difícil, precisava ter sido eu quem os fez desaparecer, Então não podes, afinal não tens poderes Mago, Lembra-te Sara que os meus poderes de mágico estão ligados à tua imaginação, eu apenas te faço acreditar no que tu já queres acreditar, Se calhar é isso, mas eu queria tanto que os meus pais aparecessem,Tenho que ir, ter com os meus filhos, Fazes magias com eles? desaparecem e aparecem? Não Sara, não faço, eles são a minha magia,... Sara está pronto, Já vou, Rauff, rauff, E arruma o quarto, Outra vez a mesma conversa como se ele estivesse desarrumado, anda Bóbi, lançando um último olhar para o jornal: Amanhã Grande Espectáculo de Magia, Talvez o avô me leve a assistir, talvez, quem sabe se ele já não reservou até o lugar que vou ocupar, e no final de tudo o Mago tirará os meus pais da cartola? Quem sabe...


Jó-Jó

12 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Que coisa mais linda!...
Que noite mágica vou ter, sonhando tal como a Sara, falando com os meus Bóbis...
Obrigada Jó-Jó! Cada vez melhor ainda!
Beijos grandes.
Juju.

1:10 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

Todos temos o tal lugar menos o gato da senhora Hudson. Esse está e não está.

Aproveitemos para aconchegar a JuJu nos cobertores. Boa noite. Bons sonhos.

Um beijinho

Pombalinho

1:34 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

Desconcertante a forma como consegues estruturar o pensamento dum sonho do imaginário duma criança.
Com a nossa imaginação é sempre possível poder-mo-nos transportar para lugares sem referências de espaço e tempo.
Aí, nesse limbo somos deuses em que tudo é possível...

Gostei. Um abraço.

Abílio

1:53 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

Nos edredons Pombalinho!
Muito obrigada plo conforto.
És sempre um querido!
Beijinhos e belos sonhos, para ti também.
Juju.

2:15 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

Palco Mágico em que os principais
Actores são as palavras,os sonhos,a imaginação e as perdas
que também são nossa "pertença",
neste Palco da Vida...

Gostei.

Olinda

12:15 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

concordo co gadelhudo

3:50 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Como é importante acreditar!

E "o sonho comanda a vida..."

Sinseramente,gostei.
Obrigada,Jójó.

4:33 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

ke lindo os meus bóbis...zinhos
lindolindo lindo a tia pecebe?


Bóbi o verdadeiro

5:23 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

O Jeje parece xexe. a juju parece coco

6:09 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Sara+Mago ?
Faz favôr de continuar.

9:00 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Corrijo:sinceramente!

1:00 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

O Jo-Jo faz magia com as palavras e
nós esperamos mais e mais palavras...
Nela Dias

12:51 da manhã  

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