<

quarta-feira, 29 de abril de 2009

De Engenheiro a Médico


Há factos vividos por mim ao longo deste meu percurso de vida, que ao passá-los para o papel sinto que os revivo, com a mesma intensidade e lucidez como se tivessem acontecido ontem.
Viajando no tempo até aos anos 60. Estou em crer que foram dos anos mais ricos, não em tudo mas quase arriscaria a empregar a palavra “quase” tudo, na música, na independência cultural, cívica e sei lá quantas coisas mais…
Preparava-se o meu irmão para fazer o seu exame do 7º. Ano do Liceu o que o levaria depois, caso ficasse apto, a passar para a Faculdade.
Nunca seria problemático, porque como bom aluno que era, uma reprovação nunca se pôs como hipótese. Meu pai como sonhava que o filho fosse um Engenheiro (isto dos pais quererem sempre que os filhos sejam médicos ou engenheiros era e é natural, embora o meu nunca nos incutisse essas vaidades, sempre nos dizia que mais valia um bom sapateiro que um mau médico…) no entanto comprara-lhe um estojo de desenho do melhor que havia no mercado, sim, porque servir-lhe-ia para mais tarde.
Cá para nós, eu nunca vira o meu irmão como médico, recordo-me, no entanto, como transformara parte da nossa garagem num estúdio de experiências físicas, químicas e como me contratara como “ajudante de campo” para os seus estudos práticos de Ciências Naturais, eu que nunca tive apetência para ver sangue e ainda hoje sinto horror às batas brancas.
Mas como o meu irmão precisava duma ajudante , lá estava eu… Tinha que estudar uma rã e havia que a dissecar. Ainda me recordo dum frasco de compota vazio, bem lavado, onde metera previamente algodão embebido em clorofórmio, e de seguida instalara lá o animalzinho, tapando-o de seguida com uma rolha de cortiça.
Primeiro passo, anestesia, o resto não vos vou castigar com o andamento da operação, consequentemente a “paciente” não sobreviveu e o “médico” ficou com a marca do bisturi, porque a aselha da “contratada” não prendera bem a pata do batráquio.
Para quem vive em qualquer ponto do país a inscrição na Faculdade tinha que ser feita presencial, na capital, então Lourenço Marques (Maputo). E para lá partiu o nosso futuro engenheiro, com um fatinho todo “à maneira” para a “cidade grande”…para um jovem da sua idade 16 anos…a sua primeira viagem de avião “a solo” era uma aventura fantástica.
No dia seguinte de manhã, bem cedo, sim, porque naquelas terras a vida começa às 7 horas da manhã, estávamos na sala de jantar, preparando-nos para tomar o “matabicho” = pequeno almoço e aguardando que o futuro universitário se apresentasse para o fazermos em conjunto, quando apareceu com aquele sorriso de boa disposição que sempre lhe conheci. Então o nosso pai perguntou:
- Filho, como correu ontem o teu dia? Tudo bem? Havia muitos colegas para Engenharia aqui da Beira?
- Não sei pai. È que eu não me inscrevi em Engenharia, senti que me chamava a Medicina e na verdade pai, este País precisa mais de Médicos do que Engenheiros.
Mariazinha da Silveira.

Etiquetas:

4 Comentários:

Blogger Manuela Curado disse...

É agradável ver um sorriso logo pela manhã.
Agradeço estes minutos de companhia e assim nos vamos conhecendo melhor...
Dia feliz.

8:16 da manhã  
Blogger MAC disse...

Agradecida Nela, igualmente um bom resto de dia para si. E que o Astro Rei nos contemple com os seus raios brilhantes e acariciadores para o fim de semana que se avizinha, bem o merecemos já. Que o Abril das águas mil, termine hoje com o último dia do mês. Seria pedir muito??

Abracinho,

Mariazinha da Silveira

1:51 da tarde  
Blogger Lekas Soares disse...

Só hoje vi este trecho de uma vida e, que vida maravilhosa deve ter sido.
O pequeno almoço em família, os anseios de um Pai preocupado com o futuro dos filhos mas sem autoritarismo etc.
Parabéns Mariazinha. Não a conheço mas pelo que tenho visto comungamos de muitas ideias.
Além disso o seu irmão também sabia muito bem o que queria e dizia.
Ora, além de ter tido uma resposta airosa que desarmaria qualquer Pai também teve um doce sentimento sobre as necessidades do seu próximo e, ao mesmo tempo, a sua vontade.
Um beijo e um bom fim de semana

10:57 da tarde  
Blogger MAC disse...

Agradeço Lekas e retribuo com um beijo de amizade as suas simpáticas palavras.
Creio que todas as filhas tem um carinho/amor diferente pelo pai do mesmo que sentimos pela mãe. No pai vimos o ídolo o homem com quem queremos "casar" quando formos “grandes” (sonho de infância). Eu tive e tenho um amor especial por ele, embora ele já não se encontre entre nós.
A mãe sempre foi mais “generala” da casa, eu como sempre sendo muito expansiva, extrovertida e irrequieta, era “sempre” a que estava na “berlinda”, quando era necessário, não me poupava e castigava-me no momento, isso ajudou a que me tornasse mulher, no entanto, com tão elevada patente no lar, não escondia nada ao seu “ajudante de campo”, meu pai e quando este chegava a casa mantinha-o sempre ao corrente das operações no terreno.
O meu pai, foi sempre aquele homem que se quer ter como pai, sempre soube respeitar as ideias dos filhos, embora por vezes não se conjugassem com as suas,o que era normal, apresentava-nos as dele e depois de ponderadas, a decisão seria nossa consoante a solução encontrada.
Confesso Lekas que bastava uma sua palavra de desagrado para me castigar, que as lágrimas me chegavam aos olhos e um “pico” no coração, doía mais que uma palmada da mãe.
Hoje, embora os anos tenham passado e cada um tendo a sua casa, a sua família, é na casa do meu irmão que nos reunimos para os festejos tradicionais, independentemente das deslocações temporárias que possamos fazer, consideramo-la o nosso “porto seguro”.
Assumiu ele o “papel” do nosso "Líder" familiar.

Mariazinha da Silveira

2:39 da manhã  

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial

Powered by Blogger

-->

Referer.org