BOULEVARD DELESSERT
Quando vivia em Paris,certa manhã fui despertado por três ou quatro pombos a bicar a vidraça da janela.Fui abrir,e um deles mais afoito entrava para o meu quarto,enquanto eu ia à cozinha procurar qualquer coisa para lhe dar.Enchi uma tijela de arroz,na esperança de o encontrar,embora não tivesse fechado a janela.Lá estava ainda,para minha alegria.Experimentei dar-lhe os grãos na mão,aceitou,e a sua confiança tornou-me também confiante.Quando saí,dei os bons dias à porteira com voz clara e fiz uma festa nos cabelos a um garoto vesgo e feio,que podia ser filho do Sartre,mas que seria neto dela,ou afilhado,já não me lembro.Regressei a casa,depois de comprar milho,pensando no meu visitante matinal.O meu pombo voltou,e durante uma semana vivemos um pequeno idílio feito de trocas simples:eu dava-lhe a mão-cheia de milho,ele deixava-me o excremento no peitoril da janela - não era nada do outro mundo,mas a dona da casa não gostava.Achava aquela relação anormal(talvez preferisse ser ela a receber o milho,matinalmente),e não deixou de mo fazer sentir.Nessa mesma noite deve ter acendido uma vela a Santo António de que era devota,e pedido com fervor a sua intervenção,porque na manhã seguinte o pombo não apareceu.Nem em nenhuma outra das que se lhe seguiram.
Não voltei a Paris,cidade que detesto.
De Eugénio de Andrade(29.12.85)
RUI LUCAS
Não voltei a Paris,cidade que detesto.
De Eugénio de Andrade(29.12.85)
RUI LUCAS
3 Comentários:
Obrigado Rui Lucas pela colaboração.Tens o dom de saber, criteriosamente, escolher temas sempre interessanrtes.
Um BOM ANO.
Contraria a minha opinião.
Não vivi em Paris, é certo, mas por ela passeei já por diversas vezes.
Num primeiro impacto, acompanhada. Afinal visitava uma grande cidade e corria em mim ... certo temor.
Já da segunda vez, mais afoita, devagarinho, me fui separando da companhia, tal criança nos seus primeiros passos
A partir dessa vez... que bom foi passear sózinha por tão bonita cidade.
Pude admirar todos os pormenores por onde passava.
Dar uma vista de olhos no LOUVRE, já que o tempo não me permitia dissecar tantas belas obras. Almoçar no Centro Pompidou, após breve visita.
Comer uma "baguette" de pé , enquanto me passeva ou tomar um bom vinho francês numa esplanada, olhando o Arco do Triunfo.
Visitar a zona de Marrai, sem preças sentindo o cheiro do pão quentinho das muitas "boulangeries".
Visitar o Grand e o Petit Palais.
Ficar sucumbida pela grandiosidade tenebrosa dos "Invalides".
Passear nos frondosos parques de árvores que sobem aos céus.
Passear calmamente pelas margens românticas do cena ou tomar o "Bateau Mouche"e sulcar as suas águas.
Pela noite, sem medos, passear, aí sim de companhia, junto às centenas de parisiênces que se passeiam sem cansar,ao logo dos Campos Elísios.
Olhar a fiérica iluminação do "chique" hotel, na Place de la Concorde.
E assim me despeço embora tivesse muito mais para contar.
Um abraço Rui.
Um muito bom ANO e obrigada pela sua agradável cumplicidade.
Quem afirma que detesta Paris é Eugénio de Andrade.
Eu adoro Paris e,no pequeno mundo que conheço(nunca fui a N.York,por exemplo) Paris é a capital do Mundo.
Um Bom Ano para todos e um abraço amigo.
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