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quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

A RESIDENCIAL SANTA SUZANA

Foi a três de Outubro. Como em repetidos anos, lá partimos à desfilada, desta vez rumo ao Alentejo. Sines era o destino. Mais um almoço de ex-combatentes estava aprazado para o dia seguinte em Santo André, a escassos quilómetros daquela conhecida localidade portuária. Fomos pois de véspera, como gaiteiro, assim diz o adágio popular.
De Sines, recordar o belo fim de tarde, azul – escarlate. No cais, um entrelaçado de mastros da frota pesqueira e, ao longe, a luz brilhante dos petroleiros, que repousavam ao largo.
Na manhã seguinte rumámos a Santo André. A expectativa de rever os amigos que não víamos há um ano, convida-me a acelerar na estrada plana. E no local combinado lá estavam. Risos, gargalhadas e abraços, davam cor àquele momento. Comungamos da amizade fraterna, construída em terra longínqua. Cabelos brancos e rugas no rosto fazem o resto, naquele quadro pintado de emoção e de uma estranha saudade. De Viana do Castelo, veio uma pequena camioneta de passageiros com alguns ex-militares. Quotizaram-se entre todos, para a viagem ser mais barata, sinal dos tempos difíceis que vão correndo. Era a vontade de estar com os antigos camaradas de armas que os fez mobilizarem-se. Dali fomos para a missa em memória dos que partiram. Estranha missa. O padre tinha ido para Fátima e encarregou um outro padre, já na casa dos oitenta anos, de celebrar a cerimónia religiosa. Porém, alguma coisa falhou. Não havia Chave do Sacrário, nem Hóstias Consagradas. E grande foi o reboliço na sacristia para encontrar os Livros Litúrgicos. Cálice também não havia e Patena muito menos.
E durante vinte minutos foi assim. De braços abertos o sacerdote pedia desculpa, enquanto o Comandante da Companhia ia acedendo as velas com um isqueiro. Junto ao altar reunimos um pequeno grupo em conferência com o prior. Não havia condições para continuar a missa com mínimo de dignidade. Ao micro, o padre pediu desculpa. A soldadesca aceitou. E virou as costas e foi-se embora. Dirigimo-nos então ao cemitério, para colocar uma coroa de flores em memória dos que caíram em combate. Nova perplexidade. Não havia monumento, nem recordação de que ali estivesse sepultado alguém caído na guerra. Chamado o coveiro, este lembrou-se de que havia lá um militar sepultado, mas não conseguia assegurar que tivesse morrido na guerra. Entre o mórbido e o patético, lá fomos fazer a homenagem a uma espécie de “soldado desconhecido”, enquanto o coveiro, ajeitando a pala do boné, nos olhava com curiosidade. Com ar compungido como determinava a circunstância, abandonámos o cemitério em rebanho de estandarte ao ombro. O almoço sim, foi de estadão. Muita animação e alegria, até que o Sol convidou ao recolher. Abraços de despedida e algumas lágrimas furtivas.

Pormenor de Santa Suzana
Um grupo de oito, dos tais que sempre se juntam em Dezembro em Trás -os – Montes, pretendeu dormir por lá. Complicada tarefa. Estava tudo esgotado de dormidas no Alentejo, por força do fim – de - semana prolongado.
Entrei então numa espécie de residencial em Sines. Os outros três casais e a São, ficaram cá fora, na expectativa. Num pequeno cubículo, um funcionário atendeu-me. Magro e macilento, usava uns avantajados óculos encavalitados na ponta do curvilíneo nariz. Tresandava a água-de-colónia barata e o cabelo empastado de brilhantina. Um risco no meio do cabelo completava o quadro. Não vos mentirei se vos disser que até um cheiro a urina empestava o ar. Tenho para mim, que apenas uma ténue linha imaginária separava a pensão a preço módico, do bordel. Tinham-nos prometido quatro quartos pelo telefone…mas que já estavam ocupados. Felizmente.
Cansados, partimos para Alcácer do Sal. Eram cerca de dez da noite. Grandes festejos havia na terra! Numa esplanada nos sentámos. Embora a vinte à hora, foram aterrando na mesa sandes de queijo, chouriço e presunto e cerveja quanto baste. Parecia que ainda não tinham tomado o pequeno - almoço ! A mastigar de boca cheia e os olhos vidrados de gula, perguntavam-me: Óh Pereira tu não comes???...e eu, esparramado na cadeira, de pernas abertas, a beber “Água das Pedras” pelo gargalo da garrafa, empanturrado com o almoço, que se tinha prolongado para o jantar perguntava: e dormir??? – logo se vê…diziam eles, enquanto davam mais uma trincadela numa sandes de chouriço, nada preocupados com o relógio a dar as doze badaladas.
De Porto veio uma chamada telefónica salvadora, quando eu já me preparava para ter que rumar a Coimbra. Pela net, o filho de um dos nossos indicava-nos uma Residencial em Santa Suzana, e que fossemos buscar as chaves ao café do senhor Coelho …
Desconfiei do Senhor Coelho. Cheirou-me a penteado de cabelo de risco ao meio empastado de brilhantina. Por um a estrada ziguezagueante e escura, chegámos a povoação de Santa Suzana. O Senhor Coelho, dono da residencial, é um homem de trato afável e educado. Um perfeito compadre alentejano. A residencial um esmero de limpeza, com belos quartos, com casa de banho privativa e tudo a cheirar a novo. Um oásis no meio do Alentejo, a escassos trinta quilómetros de Montemor-o-Novo.
Dormimos como justos com o desgaste da jornada. De manhã, o Senhor Coelho serviu-nos umas deliciosas torradas de pão alentejano, e ainda deu para dar uma volta pela aldeia, toda de branco caiada. Na soleira das portas, gente de idade saudava-nos, e dei por mim a pensar como estariam ali sacrificados percursos de vida.
No restaurante “Típico”, na Mealhada, terminámos a viagem. Com um mais um monumental festim de leitão nos despedimos. E entre empanturrados abraços, partimos. Não sem que eles, a ranger entre dentes, não fizessem uma ameaça velada contra a vida de um inocente cabrito e de um belo galo de crista colorida, que tinham visto numa quinta lá para os lados de Trás-os-Montes…
MAS HAVERÁ BANQUETE QUE FARTE ESTA TROPA !!!???
Quito

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5 Comentários:

Blogger Manuela Curado disse...

Foi uma viagem dos "diabos"!!!
Nem missa,nem cálice, nem hóstias, nem livros litúrgicos.
Peripécias recambolescas que se digerem com facilidade quando se está entre amigos.
Valeu o afecto e a recordação pelos que partiram. ISSO É O QUE IMPORTA.

Grata por me teres permitido viajar contigo.

6:49 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Meu caro amigo Quito!
Teus belos textos são sempre lidos com muito agrado. Estou a ler "Portugal" do Miguel Torga...e se o autor fosse Eurico Pereira, não veria muita diferença na "forma" de escrita.
Parabéns por mais este "momento"!!!

Abraço

José Leitão

7:23 da tarde  
Blogger Chico Torreira disse...

Que bela descrição a alertar-me para um facto real. Até aqui estava apreensivo com os Cavalinhos(as) mas agora vejo que a fome grassa o país de norte a sul. Uma cunhazita na ONU sem interferências pessoais..., talvez dê resultado...

10:27 da tarde  
Blogger RI-RI disse...

E as cegonhas?
Pagarão direitos de transmissão?
Quito,cuidado com essas denúncias!
Mais um lindo texto!

12:58 da manhã  
Blogger Teresa B disse...

Quito, estou farta de rir com a imagem da não-missa!
Deve ter sido uma coisa linda de se ver...Assim, até eu acompanhava o meu marido a esses almoços!

1:01 da manhã  

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