<

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

RECORDAR ANTÓNIO BENTES

Há dias, lá em casa, frente ao televisor, vi pela enésima vez, um golo que permitiu à selecção da França estar presente no Campeonato Mundial de Futebol, a realizar na África do Sul.
O antagonista era a selecção da Irlanda, igualmente interessada em participar naquele evento, que, por um mês, atrairá as atenções do planeta no plano desportivo. Era pois um jogo do tudo ou nada. Já no declinar da partida, Thierry Henry, fogoso avançado dos gauleses, persegue uma bola na área irlandesa. E fez com uma mão o que não conseguiu fazer com os pés. Ajeitou a bola a seu belo prazer, para depois a entregar a Gallas, que a empurrou para a baliza. Um golo irregular. O árbitro, mal colocado, validou o golo. Foi o gáudio entre as hostes francesas. E o desespero dos irlandeses, que rodearam o árbitro dando conta da ilegalidade da jogada. Nada feito. O Senhor Martin Hansson, manteve a decisão. E assim Thierry e companhia foram para os balneários, fazer as malas e arejar os passaportes. Os irlandeses, esses, foram para o seu país natal, com azedume e protestos na bagagem. E a razão.

Ao ver aquele golo lembrei-me de António Bentes. Envergou sempre a camisola da Associação Académica de Coimbra. Só conheceu outra. A da Selecção Nacional.
A 18 de Maio de 1947, a Académica foi jogar a Elvas. Num jogo “quente”, a Briosa perdeu por 3-2. Já quase no final da partida, Bentes chutou uma bola que entrou por um buraco lateral, pois a malha da rede estava furada. Era o empate. Abel Ferreira, o árbitro, talvez por ilusão óptica, assinalou o golo. Tal como os Irlandeses, também os de Elvas protestaram. O juiz da partida, porém, manteve a decisão e dirigiu-se ao centro do terreno. Até que um pequeno atleta de camisola negra e losango ao peito lhe barrou o caminho. Chamava-se António Bentes. E disse ao árbitro o que os jogadores de Elvas queriam ouvir: “que realmente a bola tinha entrado pela malha lateral pelo que o golo não era válido”. Abel Ferreira reconsiderou e mandou então marcar pontapé de baliza. No final, Bentes foi muito saudado pelos adversários por aquele acto de honestidade e honradez. E a Académica regressou a Coimbra com uma derrota no bornal.
Muitos, neste momento, estarão por certo a sorrir e a desdenhar desta forma desajustada e, porque não dizê-lo, até romântica, de eu encarar a realidade. De facto, entre o que se passou naquela tarde de Maio do século passado e os dias de hoje, vai uma eternidade. Entre o modesto campo do Elvas e o palco dos sonhos de Paris quase uma ficção. E entre o silêncio comprometido de Thierry Henry e atitude de António Bentes um abismo. Só que para mim, a ética, a decência, a dignidade, a lealdade e a honestidade serão sempre Valores a preservar e transversais ao Tempo. O atleta francês não se acusou porque não podia falar. Um mundo de interesses instalados no pântano em que se transformou o desporto de alta competição, fê-lo calar-se. Thierry Henry é a personificação de Valores que reputo de fundamentais, de joelhos perante jugo do “vil metal”.

De Bentes, que conheci através de um amigo comum, já perto do ocaso da sua existência física, apontado pelos que o conheciam de perto como um exemplar cidadão, um futebolista de mérito, e um competente professor primário de profissão, fica o meu enorme respeito pela sua memória. E este singelo texto a recordá-lo. Porque António Bentes foi um campeão. Nos relvados e na vida.

Quito

Etiquetas: , , ,

10 Comentários:

Blogger DOM RAFAEL O CASTELÃO disse...

Tive o previlégico de ter Bentes como amigo!
Recordo-o com saudade!

6:11 da tarde  
Blogger aminhapele disse...

Durante alguns anos,por diversas vezes,ouvi esta história do "rato atómico".
Sempre pensei que era uma "lenda"...
Só hoje,com o teu texto,acreditei que "aquilo" aconteceu mesmo.
Cada vez sinto mais o que é SER SÓ DA ACADÉMICA.
Obrigado,amigo.
Um abraço.

6:18 da tarde  
Blogger Carlos Falcão disse...

"Com mãos se faz a paz se faz a guerra,
com mãos tudo se faz e se desfaz" Fernado Pessoa

Sempre me fascinou o impacto gerado por qualquer decisão tomada pela equipa de arbitragem num jogo de futebol e o consequente debate aceso que promove principalmente na malta masculina... ( Nela... perdão ).
Quito, concordo. Como o professor Bentes, é de elogiar a integridade daqueles que, com honestidade, sabem respeitar o adversário - na vitória e na derrota.

Não só o Brioso Bentes, que tive o prazer de ver jogar, mas tambem o Trapatoni ( aparente bonomia ?) e os Irlandeses, deram uma grande lição de disciplina e fair-play. Qualquer outro povo na mesma situação teria , certamente, aplicado à regra a expressão francesa : "Venir aux mains", apos o jogo.

Qual é, no presente e no futuro, a solução ao problema? Video or not video ?... como jà é o caso no rugby ? Qual é a posição da FIFA ?

C.Falcão

7:35 da tarde  
Blogger Tó Ferrão disse...

Para muitos foi o melhor jogador da longa história da nossa secular instituição.

Pouco ou nada me lembro de o ver jogar.

Aturou e ensinou milhares de "putos" como eu, que queriam vestir o losango mágico da Briosa.

Grande Prof. Bentes!
Grande Briosa!

saudações académicas

Tó Ferrão

7:42 da tarde  
Blogger Chico Torreira disse...

Esta passagem real do "Bentes", foi-me contada várias vezes pelo meu Pai como exemplo do que é a honestidade. Como muitos da minha idade, devemos ter sido dos últimos a ter o previlégio de ver o Bentes jogar. Ainda me lembro de ver a ânsia do mais velhos quando viam o Bentes, que estava sentado no banco dos suplentes pois a idade já pesava, a levantar-se e a começar a aquecer num momento em que a situação não nos era favorável. Tempos que passaram e não esquecem.

10:33 da tarde  
Blogger quito disse...

Ontem, por razões de ordem particular, abandonei o Salgueiro mais cedo. No texto do Bentes não tinha qualquer comentário.
Confesso-vos que me sentia "desgotoso" pois achava que haveria académicos que deveriam prestar tributo ao considerado o melhor jogador de sempre da académica. Não por mim, mas por ele, Bentes.
Felizmente, hoje, quando regressei, vi que afinal o Bentes ainda está na memória de alguns. Curioso que o meu amigo Ferrão não se lembre dele. Eu lembro.Drible rápido e curto. Marcou um golo ao Barreirense que vi (pontapé de bicicleta), de levantar um estádio. Na parte final da sua vida era um "viciado" em pesca de mar e ía para a Figueira como meu compadre Fernando Bento dos Reis, que foi funcionário das Finanças. Foi ele que me apresentou o Bentes. Infelizmente o Reis, que vivia na Figueira da Foz, também já partiu.
A nossa Briosa não é um mero clube de futebol. É uma Instituição Centenária. E uma forma de estar na vida.

11:07 da manhã  
Blogger quito disse...

Falcão
Tenho um cunhado que é "louco" por rugby. Sempre que lhe falo das jogadas subterrâneas do futebol, ele fala-me da lealdade da modalidade que praticaste na nossa Briosa. Por isso não me admira nada o comentário que fizeste.
Abraço

11:39 da manhã  
Blogger Manuel Cruz disse...

Uma vez, vi um jogo em que este ponta esquerda marcou um golo na primeira jogada do jogo. O adversário era o Porto e o jogo acabou 1-0

5:38 da tarde  
Blogger Kurcudilo disse...

Que grandeza e envergadura humana a deste "pequeno" Rato Atómico.
São exemplos destes, que engrandecem a Briosa e um País.
Ainda me lembro de o ver jogar.
Conheci-o bem.
Foi é será sempre um grande Senhor.
Que esteja em Paz.

4:09 da manhã  
Blogger octávio disse...

Tive o privilégio de ser amigo e colega do Bentes.
Enorme atleta, grande HOMEM
Gostei de ler e recordar esta história que sei ter sido verdadeira

8:20 da manhã  

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial

Powered by Blogger

-->

Referer.org