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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

EPISÓDIOS DA GUERRA

Episódios da guerra colonial....recado!!!

Moçambique - 1972...minhas memórias...
Para os "senhores" que da cidade da Beira até Lourenço Marques (hj Maputo)....diziam - «Isto de guerra é uma grande chuchadeira»!

As fardas coçadas, dos caminhos ínvios da selva, ousaram passear-se pelas mesmas ruas onde, todos os dias, V.ª Exa. vai passear o fato
de conto de reis o metro, talhado pelo último figurino dos costureiros da moda. As mãos calosas de abrir e fechar culatras, sujas de óleo e
cicatrizes, ofenderam os anéis de V.ª Ex.ª. Aquela legenda de guerra,gravada nos cinturões, incomodou o esclarecido patriotismo de quem,com vai, Ex.ª, nunca saiu dos cafés da baixa.

«Isto de guerra é uma grande chuchadeira}!
Pela parte que me toca,… "muito obrigado... senhor... "
Mas, caso esteja interessado, venha daí, agarrar-se ao úbero da noite traiçoeira, onde a boca das armas espreita o momento de lhe servir umas "papas de sarrabulho",(têm um sabor muito especial), quandoservidas na grande mesa da selva, regada a suor, pó e incerteza...
Venha daí, lá em cima, as noites são curtas mas, sempre se há-de arranjar um serão para lhe contarmos a história da «GRANDE CHUCHADEIRA».
Contar-Ihe-emos a história daqueles rapazes que deixaram os cursos a meio, abandonaram as sebentas, guitarras, família, amigos, noivas e
penedos de saudades, para vir defender as difíceis digestões de V.ªEx.ª...
Contar-Ihe-emos a história daqueles médicos, de trinta e tal anos, com consultórios, filhos e clientela que tudo deixaram para vir mostrar
as feridas das grandes selvas, a primeira bata branca, o primeiro bisturi que a selva jamais viu...
Havemos de, lhe contar a história desconhecida e grande, heróica e bela, daqueles soldados que deixaram mulheres e filhos entregues
aos casinhotos das serras, para vir defender os anéis, esposa e filhos de V.ª Ex.ª…
Conheço algumas dessas mulheres, conheço sim senhor. Rotas, descalças, sujas. De lata à cabeça, calcorreando os carreiros da serra,
de sol a sol, de pinhal em pinhal, na desesperada busca de meia dúzia de tostões com que possam equilibrar a vida, sem vergonha deste mundo...
Conheço-as, sim senhor, filharada atrás, enxada na mão, de casa em casa, oferecendo os braços pela côdea dos filhos...
- Uma lágrima furtiva, ao canto dos olhos, a enxada bem erguida ao alto, pedindo aos alquebres da serra a esmola de um grão de centeio.
É por elas, sobretudo por elas, que peço a V.ª Exa. que, antes de
falar, NÃO ESQUEÇA ... PALAVRA FORA DA BOCA... É PEDRA.
FORA DA MÃO... NUNCA SE SABE A QUEM VAI FERIR.

Ex-Furriel Miliciano - Norte de Moçambique - 197O-1972

2 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Agradeço reconhecido à Nela Curado!
Contudo estes "gritos d´alma", nem todos gostam de ler, ou relembrar!
Mas que, acalmam...lá isso acalmam!
Alguns fantasmas...

J. Leitao

10:52 da tarde  
Blogger Chico Torreira disse...

Li com atenção este artigo publicado pela Nela Curado e recebido por email do José Leitão. Só hoje li, porque já começo a estar farto de falar de guerra se tenho possibilidade de viver a paz. Tenho em casa quem lá tenha tido os três irmãos e sabe o que a Família passou durante onze anos, por isso nem gosta de falar no assunto.
Na Beira fui muito bem tratado tanto como militar, como em civil. Não esqueçamos que Moçambique foi o lugar para onde foram enviados a maioria dos presos políticos do tempo da ditadura e como tal havia uma forte componente contra a ditadura e senhores da guerra como se dizia, não contra os jovens militares. Foi lá que duas mil pessoas arriscaram assinar um documento para a independência de Moçambique, numa altura em que ainda pouca gente se pronunciava abertamente contra a situação. É depois dos anos 1960 que a Beira sofre um rejuvenecismento de população continental devido à ida para lá de militares que jamais iriam falar contra os seus próprios sucessores.
Falava-se contra a actuação de certos militares e da qual eu também sofri e até nem falava se não aparecesse este artigo pois já lá vão mais trinta anos. Dava sempre boleia aos militares e se ia comer a algum lado, levava-os comigo. Só que um dia fiquei sem os cinzeiros das portas trás do carro. Não nos esqueçamos que mesmo as pessoas da Beira deixaram de os levar para suas casas ao aperceberem-se de faltas de respeito para com as esposas e filhas de certos desses elementos. É claro, que isto aconteceu com uma minoria de militares mas são sempre as minorias que dão que falar. Havia civis no mato que viajavam quase sempre sózinhos, pois tinham que fazer o seu trabalho mesmo em zonas perigosas, era o seu ganha pão. Aconteceu que interceptados por militares, eram tratados como pessoas duvidosa ao verem-nos sózinhos em zona de risco, o que os civis não gostavam. Eles eram bem portugueses. Mas daí a serem contra os nossos rapazinhos, penso que há uma péssima interpretação. Que ao dizerem "militares" se referissem às chefias, ar condicionado, sim mas isso até os militares falavam. Bastava-se trabalhar junto a uma certa patente para ir de férias Portugal e o que devia nesse dia passar à disponibilidade, era enviado para o mato. Quando uma unidade militar não entrava de prevensão porque o comandante estava a jogar tenis, o que é? Era uma verdadeira chuchadeira e eu não me sinto tocado como a grande maioria de ex-militares. Quando certas patentes levavam criadas europeias para não terem mainatos em casa pois não era tão distinto, o que era essa tropa... Comigo, nos anos 70 a 75, até militares me falavam destes assuntos. Os engenheiros, médicos, advogados, juízes, etc, que iam para lá, tinham mainatos. Quando tomava a bica tinhamos muitas vezes militares sentados à nossa mesa e também se lá viam em mesas vizinhas. Fazias-lhes bem e eles gostavam. Foi em 74/75 que a tomar a bica, fiz conhecimento com um rapazinho furriel que vivia na estrada da Beira. Ainda hoje somos amigos. Não o nomeio como é natural. Não se confunda uns tantos militares com todos os "Militares" e uns tantos Beirenses com todas as pessoas da Beira. O mesmo, posso dizer de Nampula. De Lourenço Marques, estive lá pouco tempo e ocupadíssimo, não tive a oportunidade de falar muito com os seus habitantes mas não devia andar longe do exposto. Se quisermos falar uns contra os outros, vai haver sempre assunto. Que se percam os fantásmas de um lado e de outro. Em todos os lados que tenho passado e já foram vários, também tenho razões de queixa como toda a gente, há-de aparecer sempre qualquer coisa que não está de acordo com a nossa forma de ver e ser, só que separo o trigo do joio e a vida continua olhando para a frente.
NÃO ESQUEÇA -: • PALAVRA FORA DA BOCA... É PEDRA
. FORA DA MÃO... NUNCA SE SABE A QUEM VAI FERIR •

5:10 da manhã  

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