“Quem vem de longe, das terras frescas do litoral, onde o verde salpica os olhos e se debruça nas estradas, e após a transição das ravinas do Zêzere, encontra uma paisagem que passo a passo se atormenta: a Beira Baixa”. E é assim, pelos olhos e pela pena de Fernando Namora, que rumamos ao interior de Portugal, e vamos ao encontro do Castelo do Rodão, também conhecido pelo
Castelo do Rei Wamba. Começamos a viagem em
Vila Velha de Rodão, bonito e aprazível recanto à beira Tejo plantado, para, por uma estrada municipal de piso razoável e serpenteando serra acima, calcorrearmos caminho por entre a aridez da paisagem, entrecortada com floresta de eucaliptos e pinheiro bravo. No alto, vislumbra-se o torreão de um castelo. Um pequeno castelo. Chegados ao local, a impressão é muito positiva. Um pequeno largo com bancos, uma modesta capela, e um pequeno caminho empedrado que nos leva até ao
Castelo do Rei Wamba, último grande rei guerreiro dos Visigódos, que governou entre 672 e 680, tendo falecido no ano de 687. O monumento, outrora degradado, foi objecto de obras de restauro, apresentando-se hoje imponente, apesar da sua singeleza. A seus pés, num varandim preparado para o efeito, pode o viajante repousar a vista pelo Vale do Rodão e as suas famosas
Portas alcantiladas, um refúgio por onde nos vagueia a alma em minutos sem fim, enquanto o calor aperta e o barulho monocórdico das cigarras contrasta com o doce e tranquilo correr do Tejo em direcção ao mar. A paisagem é deslumbrante, e dá vontade de ali ficar, até a vista se nos desfalecer na retina com o recolher do sol, e a lenda do Rei Wamba se cobrir com o negro manto das noites escuras.
Diz a lenda que o Castelo era a guarda avançada da Egitânea. Do outro lado, vivia um rei mouro, por quem a mulher do Rei Wamba se apaixonou perdidamente. O amor era recíproco. Decidiu então o rei mouro fazer um túnel por baixo do rio Tejo, por onde pudesse raptar a sua amada. Mas os cálculos falharam e o túnel saiu à superfície, à vista dos olhos de toda a gente. O Rei Wamba, enfurecido, resolveu então oferecer a mulher ao rei mouro, atando-a previamente à mó de um moinho, que lançou pela escarpa abaixo em direcção ao rio Tejo. Conta a lenda, que por onde a mó passou, nunca mais cresceu vegetação. E assim termina, de forma funesta, a lenda do Rei Wamba, grande guerreiro e conhecedor da ciência das pedras, uma outra estória que um dia Vos hei-de contar. De regresso, vamos ao encontro da aldeia de xisto de
Foz de Cobrão. As casas, caiadas de branco e telhados laranja, contrastam com o castanho - escuro dos campos de cultivo e dos olivais em socalco, sendo de destacar a qualidade do azeite desta região. Ao longe, por entre o sereno planar das águias, grifos e cegonhas, o trinar do sino da igreja arrasta-se pelos campos em redor, percorrendo léguas de solidão, do anoitecer à alvorada de um Tempo Infinito. Como percurso já vai longo, falar-vos apenas do restaurante
“Vale Mourão”, onde em ambiente agradável se pode apreciar a gastronomia das aldeias beirãs e alto Tejo, onde o cabrito, entre outras iguarias apetecidas, se destaca. Do rei Wamba e das suas gentes, fica uma lenda transversal aos séculos. Esculpida a escopro e cinzel no imaginário do povo. Memórias que perdurarão para sempre. Memórias de um Tempo ausente. Memórias de pedra.
Quito Pereira
11 Comentários:
Mais uma bela viagem por terras Beirãs, pelos olhos do nosso repórter local, que tinha que acabar em...RESTAURANTE!!!
Inesgotável e insaciável este nosso enviado especial.
Continua Quito!
Com o tempo que está hoje, viajar só mesmo pela Internet.
Um abraço!
É um prazer acompanhar-te nestas
viagens!
Olinda
É bom ler os teus textos.
Os erros de cálculo por vezes são fatais!
Mas quem leu ficou a conhecer mais uma lenda e como está bem escrita foi um prazer!
Um abraço!
O Rei Wamba era homem e senhor "do antigamente" e, por isso nada sabia de amor, apenas da chamada "honra" Ele não deu mas roubou o amor. Mas é assim! Do amor sabem os poetas e, que me desculpe a tua fofinha São, os escritores como tu, estou certa, o sabem
Obrigada por mais um texto teu que eu tanto gosto de ler.
Um beijo para os dois e um fim de semana cheio de calor "humano"
Só uma bela leitura, como esta, ameniza este "temporal"!!
Já está guardado na pasta "Crónicas do meu amigo Quito"!
Abraço.
Jose Leitao
Uma excelente estória que se baseia num castelo, numa lenda e na apresentação de um restaurante. Como a mulher do Rei Wamba devia ser linda para ser tão desejada e como terminas por nos apresentar um restaurante, quase que se pode dizer que em factos diferentes juntaste duas das componente não materiais da Deusa Lakshmi. Ainda bem que não ficaste lá por baixo.
Chico
A sério Quito,a vegetação não voltou a crescer?
Nas lendas há sempre um fundo de verdade...Mas,pelo que descreves,já não será bem assim!
Ah!
E temos um restaurante!
E come-se bem!
O menú é mouro ou visigótico?
Cansada...triste pela partida de muitos amigos deixei-me levar pelo desleixo e pouco ou nada li dos postes ou comentários do nosso Blogue.
Surges...e dás-me novo alento, obrigando-me a sacudir um turpor quase vicioso.
Passeio contigo e ao chegar á lenda do rei Wamba, confirmo o que já sabia.
Amores proibidos arrastam sempre consigo, consequências nefastas.
Quem sabe se por isso... são sempre tão desejados!!!
Texto bem curioso.
Gostei mesmo e abriu-me o apetite.
Encantada com este passeio que me levaste a dar por terras que conheço mal. Abriu-me o apetite!
Grande Quito!
Que belo texto.
O Rei Wamba já não me escapa.
Adão
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