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segunda-feira, 29 de março de 2010

RETRATO DE UM CAMPEÃO

Agosto é tempo de férias. É tempo rumar às praias. É também tempo dos emigrantes regressarem à sua terra - natal por uns dias ,a mitigar saudades. E é tempo de Volta a Portugal em Bicicleta. Em época de tréguas futebolísticas, é o ciclismo o desporto-rei. O desporto do povo. Engolindo asfalto, quilómetro a quilómetro, pelos quatro cantos de Portugal, a Caravana da Volta alonga-se como uma cobra serpenteando pela estrada. Uma cobra colorida. Afinal, as cores com que se vestem os bravos do pelotão. Porém, nem todos os esforçados ciclistas têm honras de primeira página dos jornais. Mas todos, ou quase todos, resistem à penosa caminhada. Da planície alentejana ao litoral algarvio, da epopeia da Serra da Estrela às perigosas curvas do Marão. Todos são campeões. Apenas alguns, porém, são idolatrados aos olhos do povo. No desporto como na vida. O ciclismo é um desporto eminentemente popular e que arrasta multidões. Quem duvidar, que experimente subir a Serra da Estrela em Agosto, em dia de Volta a Portugal. A ementa é convidativa. Junta-se um calor infernal a uma boa dose de paciência, mistura-se o odor de frango assado ao cheiro a bacalhau frito, e rega-se tudo com vinho tinto quanto baste. Depois, bem, depois já só faltam chegar os ciclistas. O espectáculo é surreal: Barracas de farturas, tendas de campismo, roulottes de venda de bebidas e carros em grande berraria, distribuindo panfletos coloridos. E povo. Muito povo. Um acordeão, vai fazendo as delícias de meia dúzia, e um emigrante em calções de banho vai seguindo a corrida pela televisão portátil que trouxe de casa, e na qual pontificam duas antenas espetadas ao céu, como se de um filme de marcianos se tratasse. Já passei por tudo isto, num dia em que trepei – trepámos - à Serra das Estrela para ver um homem competir: Chamava-se e chama-se Raul Matias. Corria na Tróia – Marisco e era o nosso campeão. Nasceu em Almaceda, aldeia nos confins do Portugal profundo. Era profissional de ciclismo e treinava entre cento e vinte e cento e cinquenta quilómetros por dia. Melhor “trepador” que “rolador”, o Raúl era uma figura incontornável do pelotão. Sempre impecavelmente equipado, usava óculos e um colorido lenço na cabeça. Um sorriso gaiato iluminava-lhe a face, e naquela cara de menino, ninguém adivinharia o seu temperamento forte e destemido. Por duas vezes esteve á morte. Um “garfo” da frente da bicicleta partido na descida suicida do Marão, atirou-o por muito tempo para uma cama de hospital. Nada que lhe refreasse os ânimos. A nossa admiração por ele e pela sua audácia, levou-nos então ao alto da serra mais alta do continente português. Prometeu-nos que iria chegar ao cume entre os primeiros. Disse e cumpriu. Um honroso quarto lugar. Mas a nossa admiração por este atleta duplicou, no dia que nos entrou pela farmácia adentro a chorar com o seu cão ao colo, vítima de doença mortal. E não pude deixar de olhar com respeito aquele homem, que descia o Marão a velocidades de arrepiar, brincando com a vida em cima de duas frágeis rodas de uma bicicleta de competição. Era a face humana de um “duro” do pelotão, vencido pela agonia do seu animal predilecto. Vive agora na margem sul do Tejo. "Casei e já tenho uma filha", disse-nos com entusiasmo e um sorriso de criança a bailar no rosto moreno. Demos então um abraço. Um emocionado abraço. Um abraço á campeão.
Quito Pereira

2 Comentários:

Blogger quito disse...

Raul Matias foi campeão Nacional de Estrada em 1993. Em comentário a esse título, Marco Chagas disse que "o Raul é bom rapaz mas não tem categoria para ter ganho a corrida". Mas a verdade é que chegou em primeiro. E alguns houve a quem lhes foi retirado o titulo de campeão da volta a Portugal por dopagem...
Há gente que mais valia estar calada..

6:27 da tarde  
Blogger DOM RAFAEL O CASTELÃO disse...

Pois, pois!
Também me lembro deste ciclista!
mas agora vou pedalar para vale de lençóis!

2:37 da manhã  

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