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quinta-feira, 29 de abril de 2010

MORREU UM MOLEIRO

Na modesta colaboração que vou pretendendo dar ao “Cavalinho Selvagem”, não era minha intenção escrever hoje para os amigos do meu bairro. Durante a semana, em jeito de brincadeira, pretendi continuar a estreitar laços de amizade com aqueles que vivem para lá da fronteira. No caso, recordar aqui o nosso amigo Falcão, e aquela magnifica tarde passada junto à Catedral de Estrasburgo. Mas, neste momento, o meu entusiasmo desvaneceu-se. Fui confrontado com o falecimento de um amigo cá da aldeia. Tenho a consciência de que, para muitos, este triste facto está completamente desfasado daquela que será a filosofia de um blogue de bairro. Porém, olhando o passado, percebo que por vezes - e até com duvidoso gosto – foram desfilando aos olhos de todos nós, assuntos que nada tinham a ver com o Bairro onde criámos raízes. E é por isso que hoje – dia 29 de Abril de 2O1O – o Salgueiro do Campo viu falecer, com provecta idade, um dos seus generosos filhos. Chamava-se José Martinho Brás e, durante muitos anos, exerceu nesta pacata aldeia a profissão de moleiro. Do passado, ficam as memórias de uma existência agreste, de sacrifícios incontáveis ao lado da “Ti Albertina”, sua dedicada companheira de uma vida, que com ele dividia a azáfama e a labuta do moinho. Foi ali, junto á “Ribeira do Tripeiro”, naquele lugar idílico, que moeram o trigo com que alimentaram a esperança de melhores dias e encaminharam os filhos – os amigos Emília Brás e António Brás - para a escola e liceu naqueles sofridos tempos de outrora. Nesta época em que vivemos, onde na arena e no clamor das grandes cidades, o Homem, enquanto ser humano, se vê todos os dias confrontado e triturado pelo rolo compressor e impiedoso da luta pela sobrevivência, há ainda Lugares de límpida lucidez, onde nos conseguimos refugiar na serena pacatez do espírito. E é por isso que, neste momento, dedilhando o teclado do meu computador, presto homenagem a um amigo que partiu. O seu nome, não virá, por certo, nas parangonas dos jornais. Mas merecia. Terá ao seu redor a família que o acompanhou, com desvelo, até ao derradeiro dia da sua vida. O moinho, esse, lá está. Bem conservado por uns filhos que souberam honrar a dedicação dos pais. E amanhã, quando o sino da igreja “dobrar sinais”, descerá à sepultura mais um filho desta terra. Morreu um homem honrado. Morreu um moleiro.
Que esteja em paz.
Quito Pereira

11 Comentários:

Blogger DOM RAFAEL O CASTELÃO disse...

Moinhos ainda povoam a beira rio em Castelo Branco
Quando os moinhos eram um autêntico povo

Emília Brás cresceu no moinho da família junto à ribeira do Tripeiro, que no próximo domingo abre as portas no âmbito do Dia Nacional dos Moinhos. O local tem muitas histórias para contar.
Emília Brás abriu as portas do moinho da família
José Furtado/Reconquista O correr da água serve de som de fundo ao cenário natural em redor da ribeira do Tripeiro.

No fundo dos socalcos conquistados à serra ergue-se um dos moinhos tradicionais que sobreviveram à passagem do tempo.

Emília Brás nasceu na freguesia de Salgueiro do Campo, mas viveu no moinho até aos cinco anos, altura em que trocou as margens do rio pelos bancos da escola.

Os pais e os avós recolhiam milho, trigo e centeio nos arredores, que moíam e distribuíam pelas aldeias vizinhas.

Com a chegada da electricidade à freguesia do concelho de Castelo Branco reconstruíram uma casa no Salgueiro do Campo e montaram uma moagem a electricidade.

O pai de Emília comprou uma carrinha que lhe permitiu chegar a mais clientes e começou a expandir o negócio, vendendo rações, gás e seguros.

Mas o moinho não foi abandonado e nem podia ser de outra maneira, tal os sacrifícios passados

Numa das noites o rodízio ficou preso num molho de silvas, transportado por uma enxurrada.

Emília Brás conta que o pai não teve outra alternativa que não fosse entrar nas águas frias do Tripeiro.

"Ele teve de se levantar durante a noite e despir-se todo para retirar as silvas",conta a herdeira do moinho.

Tudo para que não faltasse farinha para o pão que era comido no Salgueiro do Campo, Palvarinho, Serrasqueira, Chão da Vã ou Juncal do Campo.


A acção, diz a organização, tem como objectivo "chamar a atenção dos portugueses para o inestimável valor patrimonial dos nossos moinhos tradicionais".

Emília Brás começou a recuperar o moinho da família em 2005.

A estrutura não estava abandonada, mas foi-se degradando e com o passar dos anos os rodízios apodreceram e deixou de funcionar.

Com a ajuda dos filhos começou a recuperar as paredes, açude, comportas e colocou novos rodízios há apenas um mês.

Falta a moega (caixa onde se deita o grão para ser moído) da pedra do centeio, mas há outras ideias em mente.

"Neste momento tenho vontade de fazer a manutenção do lavadouro do trigo para colocar o dornalho, para poder fazer a demonstração da lavagem do trigo e como era feito o transporte do trigo para a eira", diz a proprietária.

Mas há a incógnita da nova barragem.

"Já nos foi dito que na cota mais baixa o moinho e o conjunto das casas vão ficar submersas", teme Emília Brás.

O que não desaparece são as muitas memórias e histórias que tem para contar.

E parece haver uma para cada canto do moinho, que era também um território de amizades.

O telheiro, que ainda hoje se conserva, era abrigo dos pastores no calor do Verão, que deixavam as ovelhas à sombra das oliveiras e passavam as horas entre cartadas e copos de vinho.

O que também deixou saudades foi a miga de peixe que o pai de Emília fazia.

"Tínhamos pessoas a trabalhar connosco que iam a casa no fim-de-semana e há um senhor do Barbaído que trabalhou aqui com os meus pais até se casar", diz a proprietária.

"Isto parecia mesmo um povo".




Para lá chegar deve seguir-se o caminho de terra batida, depois do campo de futebol de Salgueiro do Campo.

Apesar do piso irregular é fácil chegar ao local com um carro ligeiro e há um espaço relativamente amplo para estacionar.


O acesso ao moinho faz-se depois a pé, apreciando a paisagem que por esta altura convida a um olhar

NÃO TERÁ A VER COM O MOINHO DE JOSÉ MARTINHO - MAS TAMBÉM É NO RIBEIRO DO TRIPEIRO!

Como de costume um excelente têxto!

5:01 da tarde  
Blogger Manuel Cruz disse...

O mundo é pequeno.
Durante uma semana perdi-me por Chaves, onde vou com tanta regularidade que pensava não haver mais nada a descobrir. Ilusão!
Desta vez foi o XIV encontro de um grupo de autocaravanistas onde detenho algumas responsabilidades. E não é que a volta pelo centro histórico me fez descobrir coisas que eu nem imaginava.
Agora estou na fase do rescaldo, em que é preciso guardar com rigor todos os pormenores da organização deste ano, para que as coisas corram tão bem nos vindouros e, para já, em 2011 em Castro Verde.
Quando estou embrenhado nesta tarefa saltam-me duas ligações automáticas. A primeira a Colmar onde já não vou há anos e para onde está marcado o 34º EuroCC de Motorhomes nos dias 20 a 24 de Maio próximos.
Passo adiante e, quando estou na fase de arquivo dos participantes no encontro autocaravanista de Chaves, a lista pára no nome do companheiro Joaquim Gama, do Salgueiro do Campo.
E depois esta mensagem no blogue do "cavalinho".
Pois, é isto. O mundo é pequeno e são estes pormenores que nos provam que estamos vivos.

7:11 da tarde  
Blogger RI-RI disse...

E o Quito continua a encher-nos a "moleirinha" com textos de uma sensibilidade impressionante.
Continua, amigo!

8:19 da tarde  
Blogger RI-RI disse...

Como podem reparar prefiro estar a ler o Quito e a ouvir o John McLaughling no Mezzo do que ver o telejornal...
Bem Hajas!

8:23 da tarde  
Blogger olinda Rafael disse...

A tua parte de partilha está aqui
com toda a emoção do momento!
Depois o texto do Fernando e o comentário do ManuelCruz levam-me a
RECORDAR a minha infância... as minhas idas ao moinho
de vento com a minha mãe levando
o milho para fazer a broa!
Amanhã irei,integrada num grupo,fazer a Rota dos Moinhos de Penacova! Mais uma coincidência agradável!
Olinda

8:36 da tarde  
Blogger aminhapele disse...

Mais um texto de Quito que me deixa a certeza de que a humanidade existe.
Obrigado pela partilha.

9:25 da tarde  
Blogger Teresa B disse...

A tua sensibilidade deixa-me sempre comovida, Quito!
Que o senhor José Martinho tenha alcançado a paz!

9:58 da tarde  
Blogger Isabel Parreiral disse...

Por inúmeros afazeres que me preenchem os dias, são poucas as minhas intervenções para saudar os amigos que continuam a enviar-nos um pouco da sua alma através das palavras. No entanto, continuo a lê-los com imenso prazer e a olhá-los com todo o respeito pela generosidade e sensibilidade dos seus textos.
Um abraço Quito.

11:23 da tarde  
Blogger quito disse...

Caros amigos
Hoje de manhã, quando entrei no meu escritório da Farmácia, deparei-me com a amiga Emilia Brás e a sua filha em frente do meu computador. Tinham estado toda a noite no velório. Muito emocionadas, deram-me um abraço e,comovidas, pedem-me para agradecer aos amigos que, comentando, se juntaram nesta homenagem. Quando escrevi o texto, não pensava que fosse objecto de qualquer comentário. Afinal, tratava-se de uma "quase" notícia do falecimento de uma pessoa desconhecida de todos. Enganei-me. Ainda há muita solidariedade, nesta selva onde andamos todos metidos. Mas por aqui, o tempo ainda vai correndo com a limpidez do regato das fontes, no que diz respeito à partilha dos afectos. Não esquecendo TODOS os amigos, gostaria de me dirigir ao Fernando Rafael e agradecer toda a pesquisa que fêz sobre esta familia. Foi igualmente uma homenagem sentida da tua parte. E dizer também que é realmente o moinho do Senhor José Martinho.É exactamente isso.
Depois da familia, também eu agradeço a vossa solidariedade por este amigo desaparecido.
Um abraço

11:17 da manhã  
Blogger DOM RAFAEL O CASTELÃO disse...

Olha que giro ser o moinho da tua crónica!
Ainda bem!

1:41 da tarde  
Blogger Pedro Sarmento disse...

Morreu se calhar um dos poucos que ainda se dedicavam à arte da moagem através dos moinhos, que tenha partido em paz o Sr. Martinho.

8:00 da tarde  

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