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terça-feira, 25 de maio de 2010

OS FORCADOS DE LISBOA

Forcados Amadores de Lisboa
Este texto não é uma homenagem, mas podia ser. A propósito de um comentário do Álvaro Apache, que tirou uma fotografia com um grupo de forcados amadores, lembrei-me do Nuno da Salvação Barreto. E não é uma homenagem pelo simples facto de que não gosto de festa brava. Que me perdoe a “aficion”, mas não consigo perceber a motivação de se bater palmas ao sofrimento de um animal. Mas quando digo que também podia ser uma homenagem, estou a referir-me à lealdade com que um grupo de homens entra na arena, e fita um touro olhos nos olhos. Não há truques, nem capas vermelhas. Nem bandarilhas afiadas. Apenas a inteligência contra a força. Sim, porque pegar um touro, tem que se lhe diga. É uma destemida arte. Por minutos, vai-se estudando o comportamento do bicho. Verifica-se como investe. Se derrota alto ou se derrota baixo. Se está cansado ou fresco. Se é mais prudente “citar” de perto ou de meia praça. Depois, bem, depois é rezar, encaixar-se bem na armadura da bisarma e esperar que a primeira “ajuda”… ajude a travar a locomotiva fumegante. Quem assim fala percebe imenso de festa brava, dirão os “cavalinhos”, deslumbrados com o meu saber tauromáquico. Pois desiludam-se. Não percebo nada da arte de tourear, e muito menos dessa ciência que é o vocabulário taurino. Sabem os meus amigos o que é “cravar um ferro a cilhas passadas”? Não sabem ??? Nem eu !!! Sabem o que é “meter um ferro entre tábuas” ? Não sabem ??? Nem eu !!! . Sabem o que é uma sucessão de “naturais”? Não sabem ??? Nem eu !!!. Naturalmente. Bem, mas com toda esta prosápia, até me esqueci dos Forcados Amadores de Lisboa. Conheci-os em Estremoz, numa época sombria da minha vida. Estava a formar batalhão para ir para a guerra. Como não havia alojamento no Regimento de Cavalaria 3, tivemos – eu e os outros – de procurar quartos para dormir. Arranjei um bastante amplo, com mais dois camaradas de armas, com quem dividi despesas. Comparado com os aposentos do quartel, aquilo era um luxo, apesar das camas de madeira estarem irremediavelmente carcomidas pelo caruncho, e os colchões mais se assemelharem ao espólio da batalha de Ourique. Foi então, que num fim-de-semana, vim a Coimbra. E no regresso, um Domingo à tarde, quando chego a Estremoz e vou ao quarto, tive uma surpresa. Mal abri a porta, fiz uma “pega de caras” ao aguerrido Grupo. Vinham de uma tourada. Cheios de pó, transpirados, ensanguentados pelo sangue do touro e, alguns, com o traje esfarrapado. Faziam fila para tomar banho, e foi aí que eu conheci o avantajado Nuno da Salvação Barreto. Estava sentado em cima da minha roupa. Os amigos “Cavalinhos” compreenderão: … três magalas num quarto, onde ferro de engomar era coisa que não existia, e a limpeza também não era muita, pois há muito que o cabo da única vassoura que tínhamos se partira pela brusquidão do seu manuseamento, que nada tinha a ver com a delicadeza de umas mãos femininas, era natural que o quarto apresentasse um aspecto encardido, e que a roupa se fosse amontoando nas vetustas cadeiras. E foi assim – por deferência da dona do quarto, que deixou os forcados invadirem o nosso espaço – que o Salvação Barreto, sem cerimónias, se sentou em cima dos meus pertences e do meu casaco de bombazina azul, que me tinha custado alguns meses do meu esforçado e miserável “pré”. Com um sorriso amarelo apontei para roupa, e pedi-lhe que fizesse o obséquio de levantar o traseiro da desengonçada cadeira. Foi simpático – dizem que era raro – e trovejou-me uma cavernosa desculpa. Depois partiram, e foi um alívio. Menos na casa de banho, que tinha tanta água pelo chão, que dava para navegar de barco à vela.
Quito Pereira

9 Comentários:

Blogger DOM RAFAEL O CASTELÃO disse...

Tá giro este teu texto.
Como sempre apreciei e muito!
E veio-me á mente a Pega que fizemos em Colmar á bota da Lena!
O Carlos na cabeça da bota, eu na
1ªajuda e tu...como "rabujador"...

Algém escreveu estas quadras...

Cá para mim a trindade
Das coisas bem portuguesas
São o Fado e a Saudade
Mais uma PEGA das tesas

Há quem cante bem o Fado
Quem beije raparigas
Mas isto de ser FORCADO
Não vai com duas cantigas!

3:54 da tarde  
Blogger quito disse...

Pois é RAFA, estar na arena no mesmo plano do touro é como ver a crescer para nós o ALFA PENDULAR eheheheh....

4:04 da tarde  
Blogger Manuela Curado disse...

Saudosa já das tuas engraçadas ou mesmo doridas estórias.
Felizmente que esta hoje, está incluida na primeira categoria, pois o meu corpo foi visitado por incómodas tonturas e só tu para me fazeres sorrir.
Faz o "obséquio" de continuares...
Há quanto tempo não lia esta palavra hoje tão raramente usada!
Recordo perfeitamente Nuno Salvação Barreto, também pudera... com tamanha falta de ousadia!!!.
Ao contrário de ti, sou uma aficionada confessa.
Ainda esta semana provei uns bifes de touro...uma pequena maravilha.
O que contei é verdade, mas adoro ver uma boa corrida à portuguesa em que homem,cavalo e touro se degladiam.
Boxe, é bem pior e outras artes marciais em que os homens se tranformam, perdendo a sensibilidade de um ser superior e humano.
E os cães lindíssimos e enormes, incapazes de manifestar a sua punjante corrida presos que estão pelas trelas e em pequenos cúbiculos (andares) impedidos da sua liberdade e de se reproduzirem como manda a natureza?
Para mim, a FESTA BRAVA é bonita de se ver.

4:23 da tarde  
Blogger quito disse...

Nela
Andas com tonturas? Não serão doses maciças de discursos do Ministro das Finanças? Toma solução STAGO que isso passa-te.
Realmente, os cavalos da festa brava, são extraordinários. Mas, do animal em sofrimento, estamos conversados. Ainda hoje me lembro do Salvação Barreto, imperial, sentado em cima dos meus pobres haveres. Era malta porreira e têm a minha admiração porque são tesos. Eu só com o bafo do bicho derretia-me ...
As melhoras ....

5:20 da tarde  
Blogger Manuela Curado disse...

Para te dizer...com franqueza, no auge da marrada o meu olhar é feito por entre os dedos das mãos.
O respeitinho é muito lindo!

Quanto aos ministros...já nem os ouço!
Palvras loucas... Orelhas moucas

6:06 da tarde  
Blogger DOM RAFAEL O CASTELÃO disse...

Já para não falar no malfadado TGV!!!!

6:49 da tarde  
Blogger aminhapele disse...

Mais um lindo texto do Quito.
Um grupo de forcados é,na verdade,uma escola de amizade,solidariedade e espírito de grupo.
Suponho que sou aficionado desde que nasci e sinto-me ofendido quando alguém dá o palpite de que pertenço a uma espécie de bárbaros que não é amiga dos animais.
Tanto entre criadores de cavalos,como entre criadores de touros,se há regra(que eu saiba,não está está escrita em lado algum) que é unânimemente respeitada é a da prioridade à saúde,ao conforto e ao bem estar dos animais.E todo o pessoal,desde criadores a tratadores,de empregados a patrões,de simples aficionados a toureiros a respeitam.
Pode ter sido alguém acusado por não ter levado o seu filho ao médico,mas não há notícia de que algum animal não tenha tido assistência,muitas vezes com sacrifício da família.
Desculpem-me o longo desabafo.
É isto que penso.

7:14 da tarde  
Blogger cota13 disse...

QUITO texto bem ESGALHADO.
Um Abraço.
Tonito.

10:01 da tarde  
Blogger Chico Torreira disse...

Vi como muita gente o Nuno Salvação Barreto numa pega dum filme que correu mal e na TV. Nunca estive ao pé dele. Posteriormente lidei com uma pessoa que de vez em quando fazia umas pegas lá para os lados de Santarém e uma vez perguntei-lhe como se sentia quando ao entrar na arena Lhe batiam palmas. Virou-se para mim e disse-me: - "Oh! Logo que salto para a arena, não ouço nada. Nem as palmas". Fiquei ilucidado. Eu!!! Nãããão.

3:01 da manhã  

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