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quinta-feira, 24 de junho de 2010

ENSAIO SOBRE UMA VALSA TRISTE

Mais de duas décadas de afectos, silêncios e cumplicidades ...
José Saramago falleció ayer en Lanzarote de “forma serena y plácida”, a los 87 años, trás una larga enfermedad. El Nobel português, medalla de oro de Canarias e hijo adoptivo de Tiás, se enfrentaba a una leucemia crónica que fue agotando su vida hasta la mañana de ayer después del desayuno. Portugal y España lloran al Nobre del compromisso. La capilla ardiente quedo instalada en el Biblioteca de la Fundación que lleva su nombre donde su viúva Pilar del Rio, leyó ayer fragmentos de su obra…
Foi assim, que o jornal “La Provincia”, de Las Palmas, anunciou o passamento do nosso Nobel da Literatura, José Saramago. Todos os jornais espanhóis e todas as “cadenas” de televisão, deram grande relevo ao infausto acontecimento. Alguns mesmo, relegaram para segundo plano, o acontecimento mediático do momento: o campeonato mundial de futebol e a sua Selecção Espanhola. Numa infeliz coincidência, por me encontrar na zona onde Saramago morreu fisicamente, tive a oportunidade de ler alguns jornais diários, bem como acompanhar no silêncio do meu quarto de hotel, a entrevista que o escritor deu em 2OO3 a uma estação de televisão local, que a retransmitiu em sua honra. Durante mais de uma hora, sorridente e bem disposto, Saramago dava uma imagem não muito consentânea com o que lhe era normal ver. Aquele seu semblante carregado, desvaneceu-se completamente. Entre muitas coisas, falou, com orgulho, do grande amor da sua vida: Pilar del Rio. E aí, os seus olhos brilharam e os lábios sorriram, ao falar daquela que foi a sua grande companheira, o seu suporte emocional, a sua âncora afectiva. Com ela viveu muitos anos. E ela, muitos anos mais nova que ele, rendeu-se aos encantos de um Homem que não tinha um feitio fácil, por vezes ácido e truculento, fruto, quiçá, de um espírito irrequieto e rebelde, mas que, no seu refúgio de Tiás, construiu com Pilar uma estória de amor que roçava a paixão. O escritor, de aspecto austero, era porém um romântico, que amou, até ao último dia da sua vida, a atraente e dedicada Pilar del Rio. Naquela pequeno “pueblo” de Tiás, Saramago era muito estimado e respeitado pela comunidade. Era parte integrante daquele povo. A ninguém passou despercebida a sua faceta humanista, e a sua preocupação com os mais desprotegidos da vida. E foi ali, na pequena biblioteca da singela povoação, que todos fizeram questão de comparecer, para ouvir, pela última vez, pela voz de Pilar del Rio, de semblante sereno e com a dignidade que o momento merecia, os últimos acordes de uma valsa. Uma valsa que dançaram a dois, por mais de duas décadas de felicidade. Bailada em rodopios cada vez mais lentos, pela enfermidade que o apoquentava. Mas, nesta engrenagem sinistra da vida que nos rouba os sonhos, os violinos calaram-se, e as luzes da ribalta apagaram-se para sempre. O par desfez-se. O corpo exausto do bailarino, que se guindou aos píncaros da fama literária pela excelência da sua escrita, saiu de cena. E a bailarina, que no recato da sua modéstia exemplar, foi o PILAR reconfortante da Sua vida, abandonou a sala. Ficarão para sempre, na retina, os acordes de uma valsa triunfal. O Destino, ignóbil e impiedoso, cumpriu a sua tarefa. Mas os Ventos Eternos de Lanzarote, continuarão a disseminar por todo o Universo, a Imortalidade da Sua Obra. Na pista de dança, às escuras, já não resta nada. Talvez, apenas, os acordes soturnos de uma valsa triste.
Quito Pereira
(Em memória de José Saramago. Em agradecimento a Pilar del Rio.)

7 Comentários:

Blogger RI-RI disse...

Obrigado, Quito.

1:39 da tarde  
Blogger Manuel Cruz disse...

Uma edição muito recente do "Levantado do Chão", com a chancela da Portugália Editora e do Modo de Ler, abre com uma carta de Pilar del Rio.
Naquele pequeno texto há qualquer coisa de fascinante, e não consigo perceber porquê. É um texto muito denso talvez resultado de quem, como eu, teve de escrever para os jornais a contar os caracteres.
De toda a forma deixo aquí a primeira reacção que tive, estava na Beira Alta, quando recebi a notícia do Saramago: E AGORA PILAR!

3:04 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Todos os meus amigos espanhóis lêem Jose Saramago!
E nós por cá!!!???

Obrigado Quito!

3:10 da tarde  
Blogger Manuela Curado disse...

Tentei acompanhar, através dos tempos, a obra, entrevistas e muitos dos apontamentos televisivos e escritos de José Saramago.
Percebi o forte sentimento que o ligava à sua última companheira.
Entendi os amores e os ódios que ele conscientemente gerava.
Admirei-o e invejei-o pela descoberta feita numa fase já um pouco tardia da sua vida.
Era um homem transcendente, digno de toda a minha admiração.
Li, pois, um pouco emocionada, o texto por ti escrito em sua memória.

8:52 da tarde  
Blogger cota13 disse...

Descança em PAZ SARAMAGO.
Obrigado.
Tonito.

9:35 da tarde  
Blogger Chico Torreira disse...

De José Saramago, já anteriormente expressei o meu pensamento em relação à forma como tratado pelo nosso país. Quanto a este lindo e excelente artigo, bem... é mais um para a minha coleção.

1:41 da tarde  
Blogger MAC disse...

Dos textos mais bonitos que li até hoje sobre José Saramago. Emocionei-me, Quito, porque através das suas palavras imaginei “O ensaio sobre uma valsa triste” . Não sei quem é, apenas conheço alguns textos escritos por si e que me apraz ler por certo não é escritor de renome, historiador, jornalista…Quando se escreve com a alma dispensam-se predicados. :-)

Mariazinha da Silveira

3:34 da tarde  

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