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quarta-feira, 29 de setembro de 2010

A MUITA SATISFAÇÃO

por VASCO GRAÇA MOURA

in Diário de Notícias de 29 de Setembro de 2010

É verdade que com a crise imediata se cumulam várias outras questões de fundo: na origem do que se passa estão também a desagregação de valores da civilização e da cultura europeias, a preocupação esquerdista de branquear o terrorismo, de ser anti-Israel e anti-Estados Unidos, a perda do sentido da identidade e de qualquer espécie de orgulho, nervo e dignidade nacionais (salvo no tocante ao sacrossanto futebol), a decadência das Humanidades e o desastre do ensino, a desagregação do património e o assassínio da língua, o fim do tão inefável quanto inviável modelo social europeu agora que os norte-americanos já não são o nosso guarda-chuva, o esvaziamento da autoridade democrática do Estado e das instituições, a abolição do serviço militar obrigatório, a permissividade excessiva, a desculpabilização sistemática, a adopção idiota do politicamente correcto, a falta de coragem ou o servilismo de muita gente… Por cá, tudo isso combinado, por junto ou a retalho, com a governação que temos resultou num lindo serviço. E a um lindo serviço seguir-se-á inevitavelmente um lindo enterro.

Já se sabia que o Estado em Portugal dificilmente se comporta como uma pessoa de bem. Mas agora vê-se que está em vias de se tornar um malfeitor. O assalto fiscal aos poucos recursos dos portugueses vai continuar. A cada dia que passa, mais eles sentem que estão a ser roubados pelo Estado do seu país.

E agora, de repente, no palco da política, desatam todos a gritar "- Ó tio! Ó tio!", porque o País não pode passar sem orçamento, porque vem aí o FMI, porque a desgraça está iminente, porque Portugal está na bancarrota e cada dia se afunda mais nela - e lá se vão negócios e compadrios e benesses e subsídios e pensões e rendimentos mínimos e o mais a que se habituou o eleitorado analfabeto e oportunista que em Setembro de 2009 reconduziu o PS ao poder… Se essa gente pensasse um pouco mais e regougasse um pouco menos, talvez as coisas tivessem tomado um rumo diferente na altura própria. Agora é tarde.

Afinal, o que é que se esperava deste Governo, a não ser a impotência mais derrancada e os resultados mais sinistros? O que é que se esperava deste primeiro-ministro, a não ser a pior, a mais inábil e a mais incompetente das chefias do Executivo de que há memória nos últimos 100 anos em Portugal? Não há resposta satisfatória, a não ser que a busquemos na conta redonda de um século.

Só se também foi, exactamente por causa disso, que o mais estúpido eleitorado da Europa deu a vitória ao PS, isto é, para comemorar, de maneira fúnebre, inorgânica e paralela a uma comissão oficial que vai fazendo o que pode com tão fraco pretexto, o centenário da tristérrima República implantada em 1910 por obra e graça de uma pseudo-elite despeitada, tanto monárquica como republicana, de uma tropa dividida e sem dignidade, de um maralhal de marçanos e carbonários, de uma sinistra piolheira popular abaixo de toda a qualificação...

De facto, se o fez para comemorar o centenário da República, o eleitorado que votou PS em Setembro passado conseguiu o que queria. Reinstaurou a balda e o forrobodó e bem pode limpar as mãos à parede. Não vai longe com a celebração. De resto, ninguém pode ir longe com o que se está a passar neste pátrio ninho de patos-bravos, calaceiros e espertezas saloias.

Não tem por isso grande significado qualquer entendimento, explícito ou implícito, que venha a ocorrer entre os partidos políticos. Todos ralham e ninguém tem razão. Uns porque nunca a tiveram. Outros porque entretanto a perderam ou se arriscam a perdê-la. Num país a esboroar-se não há um desígnio estratégico nacional nos partidos. Só há tacticismos eleitorais a curto prazo e todos eles são perdedores.

Este país não tem saída e já não é governável. Nem a bem, nem a mal. Não tem nem vai ter com quê. Não tem nem vai ter por onde. Esqueceu-se de onde vem. Não sabe para onde vai e provavelmente não lhe interessa saber. Perdeu o rumo e um dia destes não conseguirá esboçar sequer um simulacro de independência. E é inconcebível, mas é muito capaz de se sentir bem satisfeito com isso.

José Alberto Palaio

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