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domingo, 31 de outubro de 2010

Silêncios nas palavras

Axioma: Somos todos diferentes.
Teorema: Somos todos diferentes, logo todos precisamos das diferenças dos outros.

O silêncio não existe, existem silêncios, e todos os silêncios são diferentes. O que significam de diferente está guardado nas palavras que os abraçam, sim, mas sobretudo nos olhares e nos seus corpos. Sem corpos não há silêncios. Os silêncios não são um tempo, são um modo de estar de cada ser. Se os silêncios fossem tempo, chamávamos-lhes música.

(recordo-me de ser miúdo e ouvir regularmente o seu som, tique-taque, tique-taque, Oh pá, diz algo que valha mais do que o silêncio, o meu pai, ser sem plural, à mesa de jantar na pressa de terminar a refeição e voltar para o tique-taque solitário do ele-máquina-de-escrever-do-escritório, que palavras eram aquelas, tique-taque, tique-taque, que afogavam as minhas nos silêncios?)



Os silêncios têm uma aritmética própria. Quando os somamos, multiplicam-se, se os multiplicamos transformam-se em espirais. Se elevamos as espirais alcançamos o infinito, vazio. Amante enganado das palavras, demorei tempo, muito tempo, a entender que são os silêncios, todos os silêncios, que realçam as palavras

(lembro-me dos primeiros tempos de fazer amor, da força das palavras ditas, que ascendiam ritmadas para o êxtase, o cigarro depois, e o tique-taque, tique-taque, os silêncios dos eu-coração-que-ainda-bate-forte)

mas também são as palavras que criam os silêncios. São as palavras, algumas palavras, que têm os silêncios maiores. Há silêncios nas palavras.

É, que...

Há palavras carregadas de silêncios presentes
(amo-te, dito na separação)

Há palavras carregadas de silêncios passados
(agora não, no reencontro desajeitado)

Há palavras carregadas de silêncios futuros
(amanhã ... talvez, dito na despedida)

Há palavras carregadas de silêncios sem tempo
(morreste-me, dito antes de concluir)

Há palavras.

Há.

tique-taque,...

Jó-Jó

(agradeço ao Rui Felício as belas palavras escritas que acompanharam este meu silêncio de fim de tarde de domingo. o que ele disse, mas também o que ele não disse, foram a minha preciosa companhia)

7 Comentários:

Blogger RI-RI disse...

Continuo a acompanhar-te, tanto nas palavras, como no silêncio.
Sempre a aprender, com os mais novos.

8:55 da tarde  
Blogger Manuela Curado disse...

Horas entre paredes de um quarto em que a pena dolorosamente fluia numa corrente infindável de estados de alma.

Meu pensamento voava longe... ofertando minha silenciosa companhia.

3:07 da tarde  
Blogger Manuel Cruz disse...

Um texto em que, mais do que seguir o axioma, o Jójó consegue com primor trabalhá-lo palavra a palavra.
Da minha parte confesso que era, nos anos 60', um seguidor incondicional do escritor catalão Felix Cucurull, que eu considerava nesta corrente em que o Jójó agora entra, nome cimeiro mesmo entre laureados como Camus.
O Cucurull morreu há cerca de vinte anos e desliguei-me da sua leitura. Vou ver se encontro por aqui alguma coisa que me permita regressar. Já vi que tenho a antologia, mas o que eu queria mesmo era reler O SILÊNCIO E O MEDO.

6:17 da tarde  
Blogger RI-RI disse...

Continuo a gostar muito do Camus...
Apesar das árvores...

8:20 da tarde  
Blogger Manuela Curado disse...

O tempo é demasiado curto para leitura densa e profunda.
Para um dia...ficará a sugestão!


FELIX CUCURULL!...um autor que desconhecia

9:10 da tarde  
Blogger Titá disse...

Fiquei a meditar nos teus silêncios e acho que as minhas palavras ficaram mudas. Um reaparecimento que me deu prazer.

10:31 da tarde  
Blogger Isabel Melga disse...

Depois de ouvir a parvoeira e as patéticas discussões que os noticiários deram da Ass. da Repª. sobre o Orçamento do Estado, depois do PSD E PS terem andado dias a combianarem nos bastidores as condições, pasme-es, Eles continuam a brincar como os cachopos que se zangam para saberem quem fica com os berlindes esquecendo-se da barriga vazia e do estrangulamento económico de muitas famíias! As tuas palavras lavaram-me os olhos e o espírito!Obrigada! Continua!Isabel

12:12 da manhã  

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