<

domingo, 30 de novembro de 2008

TESTEMUNHO DE RUI PATO

Ensaios na "Brasileira"
Conheci o Zeca nos meus 16 anos, tinha ele 33, já licenciado em Letras, a leccionar em Mangualde, mas aproveitando todas as folgas para vir a Coimbra, ansioso por mostrar aos amigos as suas últimas baladas.
Eu ouvi o seu nome, as primeiras vezes, ao meu pai que, como jornalista em Coimbra, fazia questão de viver intensamente a vida coimbrã, saltitando das tertúlias futrico-intelectuais para as académicas. E nestas últimas pontificava o Zeca, como o seu bom humor, com as suas permanentes distracções e com uma irreverência intelectual a que chamavam de existencialista.
Mas em 1962, ano tumultuado em Coimbra, com a Academia envolvida numa das mais violentas crises estudantis, o Zeca, já cansado com aquilo a que chamou a «quinquilharia passadista do velho romantismo do Penedo», sempre que podia, vinha a Coimbra para sentir esse fervilhar das novas gerações.
Começa assim a sua fase de ruptura com aquilo que o mais o tinha ligado até então à cidade, «o tanger dos bordões da viola, as casas de prego, as bicas nos cafés da Baixa e as arengas dos teóricos da bola» .
Ele vinha da Mangualde a Coimbra para mostrar aos amigos um outro tipo de música, sem o «espartilho da guitarra de Coimbra», com uma grande liberdade rítmica e que necessitava apenas de uns leves acordes de viola para sublinhar o poema que era o mais importante da canção.
Assim nasce o «Menino de Ouro», «Tenho Barcos, Tenho Remos», «Os Vampiros», «O Senhor Poeta», etc., ensaios muitas vezes feitos no segundo andar do café Brasileira, ou em minha casa ou em qualquer República onde ele tinha o estatuto de "livre trânsito" quando ele vinha a Coimbra e necessitava de dormir.
Entretanto, junta-se a nós o Adriano, o Manuel Freire, o Fanhais e outros que não recordo.
É dificil avaliar o impacte que o contacto com figuras como o Zeca, o Adriano, o António Portugal, entre os 16 e os 20 e poucos anos, tem na formação da personalidade de um adolescente. Nessa altura, eu não tinha a noção da dimensão humana e intelectual desses amigos. O meu desgosto é ter tido uma fortuna enorme em ter amigos desse quilate e, nessa altura, sem a noção desse valor, não ter agarrado cada momento, deixando até, por vezes, que a memória me falhe e tantos momentos bonitos e ricos se percam.
--------------------------
A preguiça - todos nós temos direito a um pouquito - não me deixou transcrever por inteiro este texto maravilhoso do nosso amigo Rui Pato.
Para os menos preguiçosos, aconselho a visita a:
delta02.blog.simplesnet.pt

Carlos Viana


Etiquetas: ,

9 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

E a Samaritana?!...
Só o Rui Pato a sabe tocar.
Força.
O intruso

12:42 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Obrigado Viana por teres trazido aqui não só o estrato de parte do depoimento do Rui Pato, mas, e principalmente, a divulgação do blog, delta.blog.simplesnet.pt, que é, para quem aprecia a música e obra de Zeca Afonso uma referência obrigatória.

5:12 da tarde  
Blogger Rui Pato disse...

Obrigado Carlos Viana.
Já nem me lembrava de ter escrito este arrazoado. E , o Blog, só o conhecia antes de estar lá este meu texto que, deve ter sido feito para uma qualquer outra publicação e eles posteriormente "picaram".

6:03 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Também agradeço ao Carlos e ao Rui
por nos darem estes testemunhos destes enormes cantores e antifascistas!

Imagino,Rui,as emoções que sentiste ao iniciar a tua vida musical em parceria com o Zeca...e sendo ele exigente,quão já bom musico tu eras.

Como estudante, em 62, vivi bem por dentro a crise!

Olinda

6:30 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Toda contente, bem atenta a ler o Rui Pato...Preguiça! Agora lá terei de passar ao tal Blog! Faz-me diferença, juro! Beijinhos grandes ao Rui Pato e ao Carlos Viana. Juju.

7:39 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Belo testemunho,Rui.

9:17 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Sem dúvida um belo testemunho!
Uma vivência que imperiosamente tem que marcar uma vida,a sua...
Embora não o dizendo,penso que viveu tudo intensamente,não deixe que se perca,vá escrevendo,devia ser tudo tão intenso e pleno,que será interessante ficar para memória futura.
O privilégio foi mútuo para ambos...
mas só o temos a si para contar.
Nela Dias

12:33 da manhã  
Blogger vítor costa disse...

Rui Pato deves ter Histórias (o H grande é de propósito)dessa época, muito interessantes, para nos contares.

7:26 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Mais uma vez, este testemunho do Rui Pato encantou-me .
E que sorte ele teve de ter podido conviver com gente "rica" que, de certeza, lhe ensinou um mundo de coisas.
E que sorte nós temos, porque o Rui não se importa de as partilhar connosco.
Um abraço ao Rui e outro ao Carlos Viana desejando-lhe força para continuar a blogar

12:41 da tarde  

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial

Powered by Blogger

-->

Referer.org