OUTRA VEZ LAGOS
Nesta minha colaboração com o blogue “Cavalinho Selvagem”, tenho procurado retratar a experiência de vida de algumas pessoas que, de uma forma fugaz, se cruzaram comigo nos caminhos da vida. Relembro o Duarte Ferrador, O Txico Sapateiro, e o Mineiro Manuel Luís. Breve vos falarei do “Ti” Raimundo e dos martírios da Quinta do Búzio. Porém, não só na Beira Baixa tive a oportunidade de ouvir relatos dramáticos de vidas agrestes. Os tais filhos de um Deus menor. Por vezes, de longe e em silêncio, vamo-nos apercebendo de percursos de vida cinzentos e tristes. E estes casos são-nos tanto mais pungentes, quando conhecemos a pessoa ou pessoas a quem nos ligam laços de fraterna amizade. Mesmo que do passado já se só reste uma bruma, tantos são os anos arquivados nas prateleiras do Tempo.
Há dias, um amigo que muito prezo - o Fernando Rafael - dizia num comentário, que uma das minhas particularidades, é a minha dedicação a locais e a pessoas. Falava-se então da cidade de Lagos e do meu amigo - já falecido - Jorge Marreiros Pacheco. O Fernando Rafael tem razão. De facto não apago o passado como quem passa uma borracha numa folha de papel. Do Jorge Pacheco sinto que ainda não disse tudo. Por isso volto a desfolhar o meu livro de memórias. Viro mais uma página e relembro:
- O Jorge vivia no Largo do Adro, em Lagos. Residia numa casa humilde com um pequeno pátio de cimento em frente à porta da cozinha. O seu agregado familiar era constituído pela mãe, o pai e um irmão com perturbação mental. Tinham na pesca o seu único sustento. Um dia, a mãe adoeceu, gravemente, e despediu-se da vida. Ficaram os três homens em casa. Mas como parece que desgraça atrai desgraça, numa tarde de Verão o pai António, conhecido na cidade por António “maluco”, teve uma trombose. Ficou limitado para a toda a vida e nunca mais voltou ao mar. Lembro-me dele, e retenho na minha mente aquele homem de camisa preta e boné na cabeça, sentado no átrio da sua humilde casa com um cigarro barato a pender-lhe dos lábios. Cabisbaixo e ausente, remendava as redes que o Jorge havia de levar para a pesca como quem remendava o destino.
E assim ficou o Jorge Pacheco. Sozinho, a angariar o sustento de três pessoas. No Inverno enfrentava o mar revolto, perante a ansiedade dos que ficavam no cais. Por vezes, as autoridades marítimas barravam-lhe o caminho. Mas não era um aventureirismo irresponsável que o empurrava para a boca do lobo. Era a necessidade premente de ganhar o pão de cada dia. Amargo pão.
O resto da história, já sabem. Tal como a mãe, despediu-se precocemente do mundo terreno. Do pai e do irmão perdi o rasto. O António, certamente, já não ocupa o lugar dos vivos.
Do Jorge Pacheco fica a saudade. De um homem humilde, honesto, valente e dedicado ao seu agregado familiar. Não virou a cara ao infortúnio que se abateu sobre a sua casa. Bateu-se pela sobrevivência da família enfrentando com bravura o Atlântico. Nunca perdeu uma batalha no mar. Mas cedo perdeu a da vida.
Quito
Há dias, um amigo que muito prezo - o Fernando Rafael - dizia num comentário, que uma das minhas particularidades, é a minha dedicação a locais e a pessoas. Falava-se então da cidade de Lagos e do meu amigo - já falecido - Jorge Marreiros Pacheco. O Fernando Rafael tem razão. De facto não apago o passado como quem passa uma borracha numa folha de papel. Do Jorge Pacheco sinto que ainda não disse tudo. Por isso volto a desfolhar o meu livro de memórias. Viro mais uma página e relembro:
- O Jorge vivia no Largo do Adro, em Lagos. Residia numa casa humilde com um pequeno pátio de cimento em frente à porta da cozinha. O seu agregado familiar era constituído pela mãe, o pai e um irmão com perturbação mental. Tinham na pesca o seu único sustento. Um dia, a mãe adoeceu, gravemente, e despediu-se da vida. Ficaram os três homens em casa. Mas como parece que desgraça atrai desgraça, numa tarde de Verão o pai António, conhecido na cidade por António “maluco”, teve uma trombose. Ficou limitado para a toda a vida e nunca mais voltou ao mar. Lembro-me dele, e retenho na minha mente aquele homem de camisa preta e boné na cabeça, sentado no átrio da sua humilde casa com um cigarro barato a pender-lhe dos lábios. Cabisbaixo e ausente, remendava as redes que o Jorge havia de levar para a pesca como quem remendava o destino.
E assim ficou o Jorge Pacheco. Sozinho, a angariar o sustento de três pessoas. No Inverno enfrentava o mar revolto, perante a ansiedade dos que ficavam no cais. Por vezes, as autoridades marítimas barravam-lhe o caminho. Mas não era um aventureirismo irresponsável que o empurrava para a boca do lobo. Era a necessidade premente de ganhar o pão de cada dia. Amargo pão.
O resto da história, já sabem. Tal como a mãe, despediu-se precocemente do mundo terreno. Do pai e do irmão perdi o rasto. O António, certamente, já não ocupa o lugar dos vivos.
Do Jorge Pacheco fica a saudade. De um homem humilde, honesto, valente e dedicado ao seu agregado familiar. Não virou a cara ao infortúnio que se abateu sobre a sua casa. Bateu-se pela sobrevivência da família enfrentando com bravura o Atlântico. Nunca perdeu uma batalha no mar. Mas cedo perdeu a da vida.
Quito
9 Comentários:
Bravo! Quito!!!!
Bravos homens...
Vidas guiadas
Pela fúria das àguas
Vida de tristeza
Marcada pela incerteza...
J.Leitao
Boa Leitão !
Em cinco linhas, resumiste,e bem, a vida dos homens do mar.
O Jorge Pacheco, na sua simplicidade, nunca sonhou que um dia se lhe faria uma homenagem num blogue de amigos. Mereceu esta recordação. Apenas eu o conhecia. Por isso só eu tinha a obrigação de o fazer.
Nunca se apagará da minha memória. Mesmo que me esquecesse, a sua simples casa do Largo do Adro lá está para o recordar, como monumento a quem amava a familia, o mar e a vida.
Pois é Quito, um banhito de humildade, de vez em quando, faz-nos bem a tôdos.
Continua, amigo!
Mais uma história de uma vida sofrida,que nos servem para, por vezes, nos obrigar a dar valor ao que temos!
Vou fazer-te inveja...
Sabes que tomámos a bica hoje com o teu filho André?!
Simpático(não admira)informou-nos da chuvadas que vão por aí.
Cuidado, não te constipes.
Pois... fizeste-me inveja Celeste...
E não me posso constipar..Domingo em Sines vai ser mais uma almoçarada que Deus me acuda!
É que rapaziada da Companhia de Cavalaria 3 406 comem que nem lobos e bebem como um dormedário.
Está até a estudar-se a hipótese de uma conduta vinda directamente da refinaria para o restaurante só com vinho...
É dromedário e não aquela "coisa" que eu escrevi. Ainda não cheguei a Sines e já estou a sofrer com os vapores do tinto alentejano...
Personagens simples e comoventes.
Pena não merecerem história, nos nossos jornais diários.
Estes, sim... são os herois do mundo.
Agarram com valentia a vida... mesmo nas horas de infortúnio.
Estes sim, agarram a Vida, como diz a Nela, porque, os demais, tocam em papeis e...ja estão cansados
julia faustino
Um abraço Quito!
Consegues transmitir-nos através destas palavras carregadas de emoção o quanto significa para ti a vivência com pessoas simples, sofredoras, que em alguns casos com passagens tão curtas pela vida, mas o suficiente para sentirem na pele, quanto a vida é tão madrasta, tão ingrata...ao ponto de nós próprios e a ti principalmente que os tens constantemente a aflorarem no recôndito da tua memória, a interrogarmo-nos porque é que vida(?)de alguém, o seu percurso terreno, curto ou mais longo, tem de ser tão sofrido!
Tu és mesmo assim!
E jamais a simples casa do Largo do Adro que vai continuar todos os anos a fazer com que revivas estes teus amigos se apagará da tua memória,porque o monumento que nela ergueste a estes teus heróis foi construido com o sentimento do amor e da partilha da agrúria de vidas sofridas!
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