O ELOGIO DA CASTANHA ASSADA
Durante o ano que agora finda, disse-vos vezes sem conta: de novo regressei à Beira Baixa. E mais uma vez me repito. Assim é. Para trás, ficou a minha velha Coimbra e o prazer de, na noite da Consoada, reunir a família. Trocam-se prendas e sorrisos. Mitiga-se a saudade. Renovam-se os laços de afecto. Partilha-se a esperança de melhores dias. Depois, bem, depois é fazer a mala e de novo partir. Lisboa, Braga ou Castelo Branco de novo na rota da vida. Para trás ficou Coimbra. O meu, o nosso, porto de abrigo. Tal como num porta-aviões, partimos em missão. E um dia regressamos. À Lusa - Atenas. E ao Bairro…
Mas o que é isso tem a ver com as castanhas assadas, pergunta quem me lê?...nada, respondo eu... estou só a divagar…
Pousado sobre a secretária do meu escritório, neste dia frio e húmido de inverno, dedico-me a folhear o “Jornal do Fundão”. Na página dois, uma bela fotografia: árvores despidas, de ramos desnudados, desafiam a inclemência do tempo. A seus pés, um tapete de folhas acastanhadas, e a pequena frase: “O sentir é um tempo, cativo de uma perene sensação que vamos desfolhando. Foi por entre esta candura que o Outono partiu. Em saudade”. Gostei. Também eu, de quando em vez, dedico-me a brincar com as palavras. Dá-me prazer. Patético passatempo de um reformado. Mas há quem me leve a sério. No almoço de Natal dos “Cavalinhos”, o Jó-Jó passa por mim e diz-me: ” Óh pá, tu tens quatro olhos, dois cá fora e dois na alma, tenho que ler duas vezes o que escreves, para perceber onde queres chegar”. De copo na mão fico a olhar para ele, perplexo com aquela “tirada” do meu bom amigo da Praça dos Baloiços. Sem estar a trocar galhardetes sem sentido, a verdade é que o que o Jó-Jó escreve me deixa sempre a pensar. E a descodificar. A sua escrita é “demasiada areia para a minha camioneta”. Tive a oportunidade de lho dizer. Eu, tal como o Romeiro do Frei Luís de Sousa, não sou ninguém. Um rotundo zero. Ele, o Jó-Jó, não precisa de elogios. Os académicos, os amigos e a própria imprensa encarregam-se de o fazer…
Então e as castanhas assadas, pergunta quem me lê?... pois, não quero ser fastidioso, vamos então pôr as castanhas a assar…
E na página dezanove do “Jornal do Fundão” lá está um artigo sobre as castanhas assadas. Fala-se da tradição, do vendedor à porta do estádio do Sporting da Covilhã a vender o saboroso fruto, e da imposição legal de não poder ser vendidas em “cartuchos” de papel de jornal. E lá se foi a tradição das “quentinhas e boas”. Depois invoca-se Aquilino Ribeiro, que num dos seus romances dizia: “ as castanhas são tão bonitas com a sua oval fantasia, seu sépia de veludo, tão ternas quando espreitam juntinhas às duas, às três e até às quatro, inclusa a boneca, de ouriço arreganhado” (…). Também Miguel Torga se referia assim: ” mas o fruto dos frutos, o único que ao mesmo tempo alimenta e simboliza, cai dumas árvores altas, imensas, centenárias, que, puras como vestais, parecem encarnar a virgindade da própria paisagem. Só em Novembro, as agita uma inquietação dolosa, que as faz lançar ao chão lágrimas que são ouriços. Abrindo-as, essas lágrimas eriçadas de espinhos, deixam ver uma cama fofa e maravilha singular de que falo, tão desafectada que até o próprio nome é doce e modesto – a castanha.”
Creio que esta era a melhor forma de fazer o elogio da castanha. Assada, de preferência. Tenho consciência que este texto é grande e chato. Aos resistentes que o leram agradeço o esforço. E já agora Feliz Ano para todos. Brindo à saúde dos amigos. Com jeropiga…e castanha assada.
Quito
Mas o que é isso tem a ver com as castanhas assadas, pergunta quem me lê?...nada, respondo eu... estou só a divagar…
Pousado sobre a secretária do meu escritório, neste dia frio e húmido de inverno, dedico-me a folhear o “Jornal do Fundão”. Na página dois, uma bela fotografia: árvores despidas, de ramos desnudados, desafiam a inclemência do tempo. A seus pés, um tapete de folhas acastanhadas, e a pequena frase: “O sentir é um tempo, cativo de uma perene sensação que vamos desfolhando. Foi por entre esta candura que o Outono partiu. Em saudade”. Gostei. Também eu, de quando em vez, dedico-me a brincar com as palavras. Dá-me prazer. Patético passatempo de um reformado. Mas há quem me leve a sério. No almoço de Natal dos “Cavalinhos”, o Jó-Jó passa por mim e diz-me: ” Óh pá, tu tens quatro olhos, dois cá fora e dois na alma, tenho que ler duas vezes o que escreves, para perceber onde queres chegar”. De copo na mão fico a olhar para ele, perplexo com aquela “tirada” do meu bom amigo da Praça dos Baloiços. Sem estar a trocar galhardetes sem sentido, a verdade é que o que o Jó-Jó escreve me deixa sempre a pensar. E a descodificar. A sua escrita é “demasiada areia para a minha camioneta”. Tive a oportunidade de lho dizer. Eu, tal como o Romeiro do Frei Luís de Sousa, não sou ninguém. Um rotundo zero. Ele, o Jó-Jó, não precisa de elogios. Os académicos, os amigos e a própria imprensa encarregam-se de o fazer…
Então e as castanhas assadas, pergunta quem me lê?... pois, não quero ser fastidioso, vamos então pôr as castanhas a assar…
E na página dezanove do “Jornal do Fundão” lá está um artigo sobre as castanhas assadas. Fala-se da tradição, do vendedor à porta do estádio do Sporting da Covilhã a vender o saboroso fruto, e da imposição legal de não poder ser vendidas em “cartuchos” de papel de jornal. E lá se foi a tradição das “quentinhas e boas”. Depois invoca-se Aquilino Ribeiro, que num dos seus romances dizia: “ as castanhas são tão bonitas com a sua oval fantasia, seu sépia de veludo, tão ternas quando espreitam juntinhas às duas, às três e até às quatro, inclusa a boneca, de ouriço arreganhado” (…). Também Miguel Torga se referia assim: ” mas o fruto dos frutos, o único que ao mesmo tempo alimenta e simboliza, cai dumas árvores altas, imensas, centenárias, que, puras como vestais, parecem encarnar a virgindade da própria paisagem. Só em Novembro, as agita uma inquietação dolosa, que as faz lançar ao chão lágrimas que são ouriços. Abrindo-as, essas lágrimas eriçadas de espinhos, deixam ver uma cama fofa e maravilha singular de que falo, tão desafectada que até o próprio nome é doce e modesto – a castanha.”
Creio que esta era a melhor forma de fazer o elogio da castanha. Assada, de preferência. Tenho consciência que este texto é grande e chato. Aos resistentes que o leram agradeço o esforço. E já agora Feliz Ano para todos. Brindo à saúde dos amigos. Com jeropiga…e castanha assada.
Quito
9 Comentários:
Mais um belo texto de D. Eurico, que não é peresbítero, para ler e saborear sentadinho no sofá.
Falta-me é a geropiga...
Não haja dúvidas. Além da excelente exposição do texto, criaste uma divagação que deu pernas para mangas e como não querias perder tempo, ainda foste beber em Aquilino e Torga. Enfim, só toca viola quem tem unhas. Um abraço
"Quentes e Boas" tal como as castanhas são as frases que compõem este teu texto.
Um abraço e continua!
Bom Fim de Ano e começo do que se segue!
Pois vou fazer-te companhia nesta tarde chuvosa de Inverno.
Comprei hoje castanhas. Aí vai uma SAÚDE para ti e São, regadinha de deliciosa jerupiga.
Aconchegada e sob o seu calor, relembrarei a bela e romântica escrita de nossos escritores.
Gosto das tuas divagações. São queixumes, ânsias, prazeres,recordações, desejos e...tudo numa miscelânea que nos envolve, nos faz amar e crescer.
Quito,
Como exercício de prosa gostei do seu texto.
Agora, quanto as castanhas assadas, aqui ainda não as vi, e só de pensar nelas fico com água na boca pois só o cheiro... me faz pensar em Coimbra.
Como apareceu aqui , no nosso espaço internético, o Zé Redondo, boa gente, companheiro do rugby na A.A.C., umas castanhitas assadas com uma pinga de licor da Quinta do Meiral, até iam.
Ciao, até "pr'o" ano.
Meu caro Falcão
Quando falei em castanhas não foi com o intuito de "martirizar" quem está fora...
Tens um dia que vir a Castelo Branco. Aproveitamos e subimos a Serra da Estrela. Tu de bicicleta..e eu de carro... ehehehee..
BOM ANO...
Um beijinho para ti e para a São
mesmo sem castanhas e jeropiga!
BOM ANO!
Gostei da "elegia",meu amigo.
Lembrei-me dos meus tempos de miudo,quando ia passar umas temporadas a S.Gião a casa de meus avós.Tinha castanhas na malga do pequeno almoço.
As castanhas,ao tempo,tinham o desempenho que hoje têm as batatas.
Por aqui,no tempo delas(este,ainda é),vamos assando castanhas em casa,num velho assador de barro(daqueles com buraquinhos e tudo) e ainda temos a nossa jerupiga!
Mas,parece-me,é tempo de dar umas castanhadas!
Bom Ano,amigo.
Um abraço.
Quentinhas e boas!!!
Sempre envolto em grandes rolos de fumo o vendedor de castanhas assadas é uma profissão sazonal,em que nada já é como antigamente em que bastava ter um carrinho com assador e partir á aventura pelas esquinas e praças das nossas cidades.
Nos tempos actuais é necessário estar filiado na associação de vendedores ambulantes e cumprir todos os requesitos que o estado exije tal como o material ser em inox e utilizar folhas de papel branco ou sacos de papel apropriado para as embalar,em detrimento das famosas e lendárias folhas das páginas amarelas que fazem parte das recordações do nosso imaginário, até o prório carrinho carece de uma inpecção para ser aprovado.
Esperemos que esta profissão que é parte integrante da nossa cultura vá sobrevivendo e não seja mais uma profissão em extinção.
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