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sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Mas que Pequeno Almoço

Ano de 1969, norte de Moçambique,
semanas depois da chegada do homem à Lua
Manhã cedo, 5h30, toca a levantar que o Sol também já se ergueu. Levanto-me e sacudo da camisa o pó que tinha caído durante a noite, por entre os troncos das árvores que cobriam o abrigo subterrâneo, onde dormíamos uns 5 ou 6, numa lona estendida sobre a terra.
O abrigo estava situado no alto de um monte a uns cem metros de um pequeno rio, seco nesta época do ano, onde trabalhávamos na construção de uma ponte, necessária para a quando chegasse a época de chuvas
Calço as botas, um bocejo seguido de uma espreguiçadela e esfregar de olhos.
Saio para o exterior. Já está calor, espreito o leito seco do rio e os pilares da ponte em construção.
Fome, nem por isso, porque a ementa é já conhecida e é a mesma de sempre: café com mistura de cevada e chicória (com a variante de só cevada ou só chicória), pão normalmente com 2 ou 3 dias de idade e um tubo de plástico contendo um doce para barrar o pão, do qual nunca me apercebi qual o fruto que lhe deu origem.
Dirijo-me para o local onde estão a distribuir o pequeno-almoço a pensar se não vou substitui-lo por uma cerveja e uma lata de chouriço em conserva para acompanhar o pão.
A uns 20/30 metros de mim está já constituída uma fila, junto à improvisada cozinha, todos de púcaro na mão para receberem o café.
De repente…pum, pum, pum.
Tiros ouvem-se por toda a parte a baterem e a passarem por entre as árvores e folhagens; caem algumas granadas fora da zona de protecção de um muro de terra, construído na noite anterior, a circundar os abrigos subterrâneos.
Reina e estabelece-se uma grande confusão. Vamos rapidamente buscar as armas, que estavam encostadas às árvores.
Meu alferes, não sei onde está o morteiro!
Alguém trás o morteiro, mas onde estão as granadas?! Ninguém sabe!
Escassos minutos depois (que pareceram horas) de ter começado o tiroteio, o silêncio. Quem atacou já tinha debandado. Aparecem as granadas.
Ouço alguém chamar-me com berros de aflição. Meu alferes estou ferido! Deita-se no chão a chorar e aponta para uma grande mancha escura na perna das calças, junto à virilha.
Grito: enfermeiro!
Peço ao soldado mais perto: dá cá a tua faca. Pego na faca, rasgo as calças e procuro o ferimento.
Não vejo nada. Rasgo mais as calças e…nada.
Perplexo e sem saber bem o que se está a passar olho para os bocados rasgados das calças e… café.
Na atrapalhação o soldado tinha entornado o púcaro com o café ainda quente e julgava que tinha sido ferido.
Vitor Costa

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14 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Devem ter sido momentos bem conturbados, das vossas vidas de facto!
Mas que bom terem posto os muros, na véspera desse tiroteio...
Rais partam as guerras e quem lá andou sem ser obrigado!
E chouriço enlatado??? Que nividade para mim-Barrrrkkkk...
Que bom o final feliz! Café!
Beijos e obrigada Vitinho.
Juju.

9:42 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Leitão

foram os "calções" a queimar :)))

manda mais :)))

CHICO

ps:a guerra não é motivo p/ rir,mas há sempre episodios hilariantes

9:58 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

oops ?

não é do Leitão,é do Vitor ...

melhor ainda que assim já são dois a contar as suas peripécias

CHICO

10:01 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Mas afinal houve tiros ou foi so cafe entornado?
Em cenario de guerra e com armas encostadas. Só podia. Foi assim que muitos morreram em combate.
Faz-me lembrar uma ronda que fiz e apanhei o matreco a dormir.
Levei-lhe a arma como trofeu. Mas o descaramento do matreco foi tal que disse:- dê-me a arma meu alferi. Deixe-se de brincadeiras.

10:10 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Que raio Chico!
Estória de Guerra Zé Leitão, para ti!!!
Aproveitei para mandar esta "boquita", pos o que vinha mesmo fazer era a errata de nividade, para NOVIDADE.
Beijos Chico!
Juju.

11:01 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

E agora faltou o "I", no POIS.
Juju.

11:02 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

nem as carpideiras da Nazare carpiam tanto como a juju.
carpe mais, sim?

11:13 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Carpié tu...
*****

11:31 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Maria Júlia não acertas uma. Vai de férias mulher.

12:55 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

Vê como falas ó...
Vai para dentro não te constipes!
*****

1:15 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

Norte de Moçambique - Outubro de 1970

NOITE DE SENTINELA
Eram assim as primeiras noites de sentinela, do 4º Grupo de Combate naquele inferno chamado Serra do Mapé.
Ali fomos parar cerca de 120 jovens acabados de sair da adolescência, brutalmente lançados na fogueira da guerra colonial.
Os postos de vigia, eram feitos com um pequeno telheiro de chapa zincada, e com barris cheios de areia, dispostos em meia lua, num morro logo à saída do abrigo subterrâneo.
O cenário era surrealista! Alguns corações gravados nas aduelas dos barris, com as setas do Cupido das muitas namoradas, noivas ou mesmo mulheres de muitos que já por ali passaram.
Ao redor do aquartelamento, à volta dos 4 postes de iluminação que mal iluminavam , os mosquitos saíam da noite em nuvens cerradas.
O soldado U. pousou a G-3 no parapeito do posto de vigia e pôs-se a espiar o negrume. Múltiplos ruídos, indestrincáveis, de todos os timbres, elevavam-se ao redor das lâmpadas Era um zumbido esquisito e suspeito.
Por instantes esqueceu-se dos mosquitos, percorrido por um arrepio. Mas o ressonar dos dois camaradas, mesmo no abrigo junto, serenou-o.
- Se estivesse sozinho morria de cagaço, pensou o U.!
Olhou o relógio de pulso. Os ponteiros fosforescentes indicavam as três horas da madrugada. Dentro de três quartos de hora despertaria o Zé da Povoa para o render. Seria a sua vez de ferrar o galho, se fosse capaz.
Apetecia-lhe fumar um cigarro mas a disciplina imposta pelo Furriel que comandava o pelotão, sobrepôs-se ao desejo. Não lhe apetecia mesmo nada apanhar uma porrada ou levar um tiro, pois o IN podia detectar a incandescência do apetecido cigarro na penumbra da noite.
"- Sentinela, Eh sentinela !"
Emaranhado nos seus pensamentos, levou tempo a recompor-se.
- Estavas a dormir, logo na primeira noite ?
Pela voz, reconheceu a minha voz.
- Aqui no poleiro, não dá o sono a ninguém, meu furriel.
- Podia passar por aqui um regimento de in´s que não davas por nada. Vamos lá a ver se abres mais os olhos.
U. sentiu os passos do furriel perderem-se na noite. Enervado, tornou a olhar o relógio. Estava na hora. Até já passavam cinco minutos.
- Acorda, Zé, está na hora.
O camarada soergueu-se da cama improvisada, estremunhado.
- Já ? Não me estás a tramar?
- Vá, levanta-te. Não acordes o V..
- Logo agora que estava a sonhar com a minha mulher, que deixei lá nas Caxinas. Tens um cigarro ?
- Olha o Furriel.
- O Furriel foi dar a volta aos outros postos. Só daqui a 20 minutos é que volta a passar. Dá cá o cigarro que eu uso o quico e faço um buraco no chão para botar o fumo fora!
O clarão do fósforo iluminou dois rostos terrosos. Depois ficou a ponta vermelha do cigarro a fazer arabescos na noite. Podia ver-se a 500 metros bem lá no fundo da pista.
- Não te deitas ?
- Não tenho sono. Fico contigo um bocado.
- Saudades ? Deixa lá que 4ª feira é dia de S.Correio. Faltam 2 dias…
Falavam em surdina, para não acordar o V.. Os mosquitos parece que foram para outras bandas.
Entretanto, sai do abrigo o R., que não tinha sono nenhum.
- Sabias que as peras que trouxe da minha terra, ainda estão rijas como cornos ? - disse o U..
-Ainda duram? Perguntou o Zé da Póvoa, dizendo que julgava que tinham acabado ainda em pleno alto mar.
- E tu sabias que deixei um filho na barriga da minha mulher?
- Puta de merda esta guerra!
- Dizes bem, guerra de merda.
Subitamente, um estampido acordou a noite.
- Ouviste ?
- Foi no posto junto à porta de armas.
Soou outro tiro, logo seguido duma rajada.
Silenciosamente aproxima-se o Furriel que anda a fazer ronda. Eram 4 da matina. Passa palavra e vai avisar o Capitão.

Pela vala comum, tropeçando em dezenas de ratos, o “Gouveia” que entretanto tinha também saltado do abrigo vai direito ao abrigo do Comando.
- Será um ataque ? Disparou um "verylaite" para o ar e… nada!!!
Ficamos de dedos crispados nas G-3.
O Congo, negro como um tição aparece e prega-nos um susto do caraças.
- Terá morrido alguém ?
- E nós aqui sem saber de nada.
- Que porra de situação, diz o Raposo.
- Calma - aconselho. - Não me parece coisa grave.
- Sentinela ! Sentinela ? – alguém murmurava próximo.
- Quem está aí ? - perguntaram em coro.
- É o furriel C.. Estejam tranquilos que ainda não é desta que vamos morrer. Foi o “Palhaço” que julgou ter ouvido um ruído estranho e desatou às rajadas como um maricas. Algum bicho que tocou nas latas penduradas no arame farpado. E ainda por cima diz que levou um tiro nas costas!
- Meu Furriel se eu morrer, não quero ficar cá…entreguem os meus pertences e o “graveto” que está debaixo do meu colchão à minha família, diz o “Pachaço” pálido e assustado.
Começou a berrar e o Furriel Enfermeiro quando chegou ao pé dele, verificou que havia realmente uma mancha avermelhada e um cheiro esquisito, a meio do camuflado do “Palhaço”. Este continua a insistir que viu 2 inimigos já dentro da 2ª linha de arame farpado e que lhe deram um tiro. Tinha a mão “ensanguentada”!!!
Após ter rasgado a camisa e já com a caixa de primeiros socorros à mão, o Furriel Enfº P. verificou que não havia ferida nenhuma nas costas do soldado. Ao passar novamente a mão pelo “dólmen” constatou que era uma pasta avermelhada, molho de tomate da lata de sardinhas da ração de combate, que este estava a comer, durante a sentinela e, se desequilibrou e caiu de costas sobre a lata!
- Que susto aquele gajo nos pregou - desabafou o Zé da Póvoa. - Ia-me borrando todo, meu Furriel
- O furriel disse que eram as “latas”, mas podiam muito bem ter sido os turras.
- Nunca se sabe.
- Afinal, quem é que está de sentinela ? Eu ou vocês ? – questionei. Depois de passar palavra e feita uma incursão pela pista, tudo voltou à normalidade.
Mas….
Já ninguém mais dormiu nessa noite.

José Leitão

1:22 da manhã  
Blogger Manuela Curado disse...

Mas quem disse que o jeito para esvcrever era nulo?
Ai!...Ai... grande mentira.
O momento foi de perigo e esse episódio, decerto, descontraiu.
Continua amigo. Por mim...gostei muito.

10:19 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

... e venham mais :)))
... e a proposito de equivocos

Açores 81

Sr Doutor uma "orgença"
e lá me levanto eu de madrugada para ir ver a dita;

velhota,para aí com os seus 80 aparentemente bem;
então o que tem?
" estou a deitar sangue pelo olho "

olhei,aliás já tinha de relance uma visão holistica ( estou a falar caro )da senhora e não me apercebi desse sangue pelo olho;
mas como era de madrugada e com receio de estar a " perder" algo,peço à enfermeira o oftalmoscópio.
observo s olhos,reviro as palpebras e nada ... e a velha nem abria a boca ... sacana :)))

então digo-lhe, já lixado por ter de me levantar sem motivo:
não estou a ver nada!

resposta:
é o olho do cu!

estamos sempre a aprender :))))

CHICO

12:52 da tarde  
Blogger Jottta Leitte disse...

Para o ex-alferes milº Victor Costa!
Naquele "inferno" a G3 era a nossa amante...sempre coladinha a nós!
Sempre!!!
E por lembrar a G3...um dia, num fim de tarde com um belo por-do-sol que só África nos mostra...dois soldados num posto de vigia a recordarem as "coisas" da terra: as vindimas, as sementeiras, o regadio, a "safra" do azeite, a pastorícia, etc e às tantas um deles diz para o outro:
- Oh pá tenho uma comichão do caraças na ponto do dedo indicador.
- Olha que deve ser do sacana do "feijão macaco"!!!(*)
Mas se quiseres tiro-te já a comichão!
-???
- Coloca aqui o dedo na ponta do tapa chamas da G3 e "coças"...vais ver que isso desaparece.

Só que a arma não estava na posição de "segurança"...e sem querer o outro carrega no gatilho!
Por sorte só a ponta do dedo desapareceu.
Mas foi remédio santo...a comichão acabou!!!!


(*) Feijão-macaco é em tudo semelhante ao feijão de trepar, donde se colhem as vagens do feijão verde. As suas vagens são, no entanto, mais parecidas com as do feijão frade, compridas e esguias. Essas vagens são totalmente cobertas por uma camada de pequenos pêlos amarelados que se soltam com facilidade quando as vagens estão bem secas. Quando caminhávamos a corta-mato, abrindo caminho por entre a vegetação, não podíamos evitar abanar com os arbustos, em os feijoeiros se enrolavam. Caía então, sobre a nossa pele transpirada, uma nuvem daqueles minúsculos pêlos, que se espetavam nela e provocavam uma comichão indescritível.

José Leitão

1:16 da tarde  

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