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sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

A LEI DO MAIS FORTE

A LEI DO MAIS FORTE
( no submundo das grandes cidades... )

O Heitor nasceu num bairro pobre de Lisboa. Daqueles a que agora os media catalogaram de bairros problemáticos.
Foi desde miúdo, um rebelde, um revoltado contra as agruras que a vida lhe tinha reservado.
Primeiro foi a morte prematura da mãe, que aos 32 anos foi vencida pela droga. Depois, foi o alcoolismo do pai que sobrevivia com o subsidio estatal de rendimento mínimo e com as esmolas que ia obtendo no Rossio ou em Santa Apolónia.
Aprendeu a viver de expedientes diversos que dividia com as esporádicas e raras idas à escola. Não tinha irmãos, nem avós vivos, nem ninguém que lhe desse o carinho que as crianças precisam.
O seu feitio áspero e agressivo isolava-o dos bandos de jovens do seu bairro. Não tinha amigos, não tinha ninguém, não tinha um ombro onde pudesse verter as lágrimas de desgosto e de raiva que, na solidão do seu desconforto, por vezes lhe sulcavam o rosto sujo.
Quando algum esquema ou pequeno furto lhe proporcionava uns tostões, já com os seus 18 anos feitos, ia gastá-los na feérica orgia nocturna da cidade, em bares e discotecas onde aprendeu a conviver com jovens ricos e glamorosos.
Certa noite, enquadrado num grupo de jovens numa discoteca de Alcântara, saiu no carro de boa marca de um deles. Ele, o dono do carro, um amigo deste e uma miúda que tinha estado a beber com eles na discoteca.
Embrenharam-se na mata de Monsanto. O amigo do dono do carro, pelo caminho tentou violar a rapariga. Esta assustada abriu a porta do carro em andamento e, em pânico, atirou-se para a estrada. Foi atropelada pelo autocarro que se cruzava em sentido contrário. Morreu no Hospital de Santa Marta horas depois...
O rico empresário, pai do frustrado violador, foi avisado pela Polícia e dirigiu-se à esquadra onde estavam detidos os jovens.. O pai do Heitor foi localizado e transportado também para a esquadra.
Era preciso determinar e acusar um culpado, dizia o polícia de papel e caneta na mão para redigir o auto.
A proposta do senhor rico veio fria, concisa e directa, falando em surdina para o pai do Heitor:
- O seu filho apresenta-se como o autor da façanha. Em troca, você terá uma boa casa,
uma pensão razoável, uma quantia em dinheiro e o seu filho terá um advogado com despesas e honorários pagos.
A condenação, se a houver, será de poucos anos, meses talvez.
- Uma proposta a considerar... – pensou em voz alta o azamboado pai do Heitor.
O Heitor, finalmente é convencido pelo pai a declarar-se culpado do crime.
O Tribunal foi mais severo do que lhe tinha dito o advogado do senhor rico. Condenou o Heitor a oito anos de prisão efectiva...
Revoltado na sua cela, é visitado pelo advogado que o tentara defender em tribunal. Tenta confortá-lo, explicar-lhe que a pena seria reduzida por bom comportamento, mas os olhos do jovem destilavam ódio, revolta e espelhavam medo.
A ténue réstia de esperança que perpassava pelo rosto do jovem, ingenuamente crente ainda na possibilidade da sua libertação, foi desfeita pelo causídico com uma metáfora:
- Sabes, meu rapaz, toda a corda tem dois lados. Um é forte, o outro é fraco. E é sempre pelo lado mais fraco que ela se parte.
- Tu és claramente o lado fraco da corda.
O advogado, incomodado e sem se despedir, deixa que os seus passos se afastem cadenciadamente, ecoando pelo corredor vazio da prisão.
Rui Felício
12-02-2009

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12 Comentários:

Blogger Rui Pato disse...

Bem vindo Rui.
Que história... E cada vez existem mais lados fracos nas cordas...
O desequilíbrio é assustador entre os que podem, e os que têm que se submeter aos que podem.

9:04 da manhã  
Blogger Manuela Curado disse...

Comoveu-me tremendamente este conto do Rui Felício.
História idêntica, alterou o percurso de uma, talvez, brilhante advogada.
Tudo indiciava nesse sentido.
Tirado o curso, surgem as "oficiosas", obrigatórias.
Contráriamente a outras colegas a Sónia, teve que se sujeitar a muitas. Todos os casos foram ganhos.
O último marcou-lhe o destino.
Rapaz educado,rosto meigo... pois também eu o visitei na Cadeia de Lisboa, levando-lhe livros que devorava.
Preso por circunstâncias adversas da vida.
Pressionada pela grande paixão que ele lhe começou a dedicar, abandona o caso e desiludida com a justiça, arruma definitavamente a "toga".
É hoje, jurista no Ministério da Educação.
O seu grande sonho ficara para trás e a "toga"...escondida no roupeiro.

9:49 da manhã  
Blogger Chico disse...

...o pior de tudo é o "pai" ?? traír o próprio filho

... o resto, é mais do mesmo ... e sempre com a agravante de terem a ajuda dos "Justiceiros" - assobiam,olham para o lado,e,como convém,não se fazem mais perguntas,e... não digo mais que ainda vou preso :)))

"è uma tristeza"

PS

a qualidade habitual do Felício:)

11:37 da manhã  
Blogger Isabel Parreiral disse...

Que bom voltar a ler-te, Rui.
Esta é a realidade de uma sociedade doente que não cuida das suas crianças e que se vende aos ricos e poderosos.
Um abraço da Isabel Parreiral

4:19 da tarde  
Blogger Pombalinho disse...

O coment acima não era para aparecer, Álvaro.

Como já tive oportunidade de dizer ao Felício pelo telefone, esta história agrada-me. Está bem escrita, como sempre e relata factos que não devemos ignorar. O que é que estamos a fazer do terceiro D do 25 de Abril?

5:55 da tarde  
Blogger olinda Rafael disse...

Rui
Situações destas é o pão nosso de cada dia na tua profissão tal como
foi na minha...

A nossa impotência é enorme,sufocante...saber ouvir,compreender mas...a revolta
invade-nos.Apenas podiamos denunciar.

Claro,tu como advogado ainda podes ter a possibilidade de pôr o mais forte a "penar"...mas se te
calha defender esse o mais forte...
deve ser complicado à bruta.

Olinda

6:08 da tarde  
Blogger celeste maria disse...

Como é possível??!

A injustça,a traição,o suborno,a cumplicidade de todos os intervenientes no drama deste jovem.
Realmemte...foi o elo mais fraco!

Será que os que ficaram em liberdade conseguem dormir?
Desejo-lhes ,no mínimo,insónias eternas.

6:14 da tarde  
Blogger Rui Felicio disse...

O Cavalo Selvagem está novo, decente, como era e foi durante muitos meses inicialmente.

Por isso não me sinto constrangido em dar o dito por não dito.

É aqui, neste ambiente, que me sinto bem.

É ao todos vós meus amigos que agradeço a alegria de aqui estar.

6:30 da tarde  
Blogger olinda Rafael disse...

Casos como este são o pão nosso
de cada dia na tua profissão tal como eram enquanto fui assistente
social...

Ouvir,compreender,denunciar...tão
pouco conseguiamos fazer...instalava-se a revolta pela
impotência.

Como advogado do elo mais fraco
ainda podes conseguir pôr o mais forte a "penar"...mas se és o advogado do poderoso...como deve
ser difícil fazer das tripas coração...Fosca-se!

Olinda

6:44 da tarde  
Blogger Manuela Curado disse...

Nem sabem o quão feliz fico...ao pressentir a vossa união.

7:31 da tarde  
Blogger Isabel Parreiral disse...

Também eu, caro amigo Rui, passei a sentir-me bem melhor e já não sinto necessidade de me manter caladinha para me resguardar de eventuais ataques.
Este é de novo o espaço de que nos orgulhávamos, que foi saudado pelos nossos filhos e que constituiu uma lição de como a amizade pode chegar tão longe.
Um abraço da Isabel Parreiral

10:45 da tarde  
Blogger olinda Rafael disse...

Nela

União Futebol clube de Coimbra?

Estou lerda...não compreendo!

Mas também não tenho de compreender tudo...

Aproveito para pedir desculpa ao
Felício por ter bisado o comentário
mas foi nabice...e já agora também
pela "palavra feia ".

Olinda

3:34 da tarde  

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