A LEI DO MAIS FORTE
A LEI DO MAIS FORTE
( no submundo das grandes cidades... )
O Heitor nasceu num bairro pobre de Lisboa. Daqueles a que agora os media catalogaram de bairros problemáticos.
Foi desde miúdo, um rebelde, um revoltado contra as agruras que a vida lhe tinha reservado.
Primeiro foi a morte prematura da mãe, que aos 32 anos foi vencida pela droga. Depois, foi o alcoolismo do pai que sobrevivia com o subsidio estatal de rendimento mínimo e com as esmolas que ia obtendo no Rossio ou em Santa Apolónia.
Aprendeu a viver de expedientes diversos que dividia com as esporádicas e raras idas à escola. Não tinha irmãos, nem avós vivos, nem ninguém que lhe desse o carinho que as crianças precisam.
O seu feitio áspero e agressivo isolava-o dos bandos de jovens do seu bairro. Não tinha amigos, não tinha ninguém, não tinha um ombro onde pudesse verter as lágrimas de desgosto e de raiva que, na solidão do seu desconforto, por vezes lhe sulcavam o rosto sujo.
Quando algum esquema ou pequeno furto lhe proporcionava uns tostões, já com os seus 18 anos feitos, ia gastá-los na feérica orgia nocturna da cidade, em bares e discotecas onde aprendeu a conviver com jovens ricos e glamorosos.
Certa noite, enquadrado num grupo de jovens numa discoteca de Alcântara, saiu no carro de boa marca de um deles. Ele, o dono do carro, um amigo deste e uma miúda que tinha estado a beber com eles na discoteca.
Embrenharam-se na mata de Monsanto. O amigo do dono do carro, pelo caminho tentou violar a rapariga. Esta assustada abriu a porta do carro em andamento e, em pânico, atirou-se para a estrada. Foi atropelada pelo autocarro que se cruzava em sentido contrário. Morreu no Hospital de Santa Marta horas depois...
O rico empresário, pai do frustrado violador, foi avisado pela Polícia e dirigiu-se à esquadra onde estavam detidos os jovens.. O pai do Heitor foi localizado e transportado também para a esquadra.
Era preciso determinar e acusar um culpado, dizia o polícia de papel e caneta na mão para redigir o auto.
A proposta do senhor rico veio fria, concisa e directa, falando em surdina para o pai do Heitor:
- O seu filho apresenta-se como o autor da façanha. Em troca, você terá uma boa casa,
uma pensão razoável, uma quantia em dinheiro e o seu filho terá um advogado com despesas e honorários pagos.
A condenação, se a houver, será de poucos anos, meses talvez.
- Uma proposta a considerar... – pensou em voz alta o azamboado pai do Heitor.
O Heitor, finalmente é convencido pelo pai a declarar-se culpado do crime.
O Tribunal foi mais severo do que lhe tinha dito o advogado do senhor rico. Condenou o Heitor a oito anos de prisão efectiva...
Revoltado na sua cela, é visitado pelo advogado que o tentara defender em tribunal. Tenta confortá-lo, explicar-lhe que a pena seria reduzida por bom comportamento, mas os olhos do jovem destilavam ódio, revolta e espelhavam medo.
A ténue réstia de esperança que perpassava pelo rosto do jovem, ingenuamente crente ainda na possibilidade da sua libertação, foi desfeita pelo causídico com uma metáfora:
- Sabes, meu rapaz, toda a corda tem dois lados. Um é forte, o outro é fraco. E é sempre pelo lado mais fraco que ela se parte.
- Tu és claramente o lado fraco da corda.
O advogado, incomodado e sem se despedir, deixa que os seus passos se afastem cadenciadamente, ecoando pelo corredor vazio da prisão.
Rui Felício
12-02-2009
Etiquetas: Rui Felicio
12 Comentários:
Bem vindo Rui.
Que história... E cada vez existem mais lados fracos nas cordas...
O desequilíbrio é assustador entre os que podem, e os que têm que se submeter aos que podem.
Comoveu-me tremendamente este conto do Rui Felício.
História idêntica, alterou o percurso de uma, talvez, brilhante advogada.
Tudo indiciava nesse sentido.
Tirado o curso, surgem as "oficiosas", obrigatórias.
Contráriamente a outras colegas a Sónia, teve que se sujeitar a muitas. Todos os casos foram ganhos.
O último marcou-lhe o destino.
Rapaz educado,rosto meigo... pois também eu o visitei na Cadeia de Lisboa, levando-lhe livros que devorava.
Preso por circunstâncias adversas da vida.
Pressionada pela grande paixão que ele lhe começou a dedicar, abandona o caso e desiludida com a justiça, arruma definitavamente a "toga".
É hoje, jurista no Ministério da Educação.
O seu grande sonho ficara para trás e a "toga"...escondida no roupeiro.
...o pior de tudo é o "pai" ?? traír o próprio filho
... o resto, é mais do mesmo ... e sempre com a agravante de terem a ajuda dos "Justiceiros" - assobiam,olham para o lado,e,como convém,não se fazem mais perguntas,e... não digo mais que ainda vou preso :)))
"è uma tristeza"
PS
a qualidade habitual do Felício:)
Que bom voltar a ler-te, Rui.
Esta é a realidade de uma sociedade doente que não cuida das suas crianças e que se vende aos ricos e poderosos.
Um abraço da Isabel Parreiral
O coment acima não era para aparecer, Álvaro.
Como já tive oportunidade de dizer ao Felício pelo telefone, esta história agrada-me. Está bem escrita, como sempre e relata factos que não devemos ignorar. O que é que estamos a fazer do terceiro D do 25 de Abril?
Rui
Situações destas é o pão nosso de cada dia na tua profissão tal como
foi na minha...
A nossa impotência é enorme,sufocante...saber ouvir,compreender mas...a revolta
invade-nos.Apenas podiamos denunciar.
Claro,tu como advogado ainda podes ter a possibilidade de pôr o mais forte a "penar"...mas se te
calha defender esse o mais forte...
deve ser complicado à bruta.
Olinda
Como é possível??!
A injustça,a traição,o suborno,a cumplicidade de todos os intervenientes no drama deste jovem.
Realmemte...foi o elo mais fraco!
Será que os que ficaram em liberdade conseguem dormir?
Desejo-lhes ,no mínimo,insónias eternas.
O Cavalo Selvagem está novo, decente, como era e foi durante muitos meses inicialmente.
Por isso não me sinto constrangido em dar o dito por não dito.
É aqui, neste ambiente, que me sinto bem.
É ao todos vós meus amigos que agradeço a alegria de aqui estar.
Casos como este são o pão nosso
de cada dia na tua profissão tal como eram enquanto fui assistente
social...
Ouvir,compreender,denunciar...tão
pouco conseguiamos fazer...instalava-se a revolta pela
impotência.
Como advogado do elo mais fraco
ainda podes conseguir pôr o mais forte a "penar"...mas se és o advogado do poderoso...como deve
ser difícil fazer das tripas coração...Fosca-se!
Olinda
Nem sabem o quão feliz fico...ao pressentir a vossa união.
Também eu, caro amigo Rui, passei a sentir-me bem melhor e já não sinto necessidade de me manter caladinha para me resguardar de eventuais ataques.
Este é de novo o espaço de que nos orgulhávamos, que foi saudado pelos nossos filhos e que constituiu uma lição de como a amizade pode chegar tão longe.
Um abraço da Isabel Parreiral
Nela
União Futebol clube de Coimbra?
Estou lerda...não compreendo!
Mas também não tenho de compreender tudo...
Aproveito para pedir desculpa ao
Felício por ter bisado o comentário
mas foi nabice...e já agora também
pela "palavra feia ".
Olinda
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